26 de agosto de 2010

Waiting For The Sun

Minha inspiração tinha relógio. Um relógio sem hora e sem compromisso com nada. Surgia no tempo certo em que eu deveria fazer outra coisa: dormir. Nas noites mais profundas, quando o sono supostamente me bastaria, ela vinha. Enterrava-me em suas angústias e me fazia buscar pela superfície lisa mais próxima. Sempre foi um mistério para mim a antiga ligação da minha escrita com a noite. Mesmo com a adoração pela lua, o sol nunca abandonou meus pensamentos. Há quem funcione melhor sob a luz artificial, com a escuridão como pano de fundo para o funcionamento de uma mente inquieta. Digo isso com a certeza de alguém que já teve sua efetividade ligada a essa exigência. Agora meu relógio é outro. Minha urgência passa pela noite, mas como a satisfação das minhas necessidades fisiológicas. A noite passou a ser apenas um processo de inspiração para o que vem depois dela. O sol surge com força. Escrever pela manhã amenizou certas características. Trouxe bom humor, leveza e uma espontaneidade saudável. Enquanto a noite tem tonalidade de desabafo, o dia transforma este desabafo em resolução. O dia traz clareza aos pensamentos. O que era atordoante no ápice da insônia ganha simplicidade e uma compreensão mais fácil com a luz natural. O sol tem o poder de tornar os problemas menos problemáticos e as esperanças mais palpáveis. Isso deve explicar aquela antiga frase “nada melhor do que um dia após o outro” e com uma noite bem dormida no meio. É durante a noite que os nossos pensamentos se organizam. Parar para explicá-los durante o processo não pode ser tão elucidativo assim. É melhor deixa-los descansar junto à desaceleração do metabolismo. Se o corpo não está apto a realizar grandes esforços madrugada adentro, nossa mente também merece esse descanso. Longe de mim colocar-me contra as diversas mentes brilhantes notívagas. Apenas aprendi a duras horas de sono perdidas que o dia existe para ser usado, além de ser ecologicamente correto. O sol não nasce para eu dormir e a lua pode ser admirada até o pesar das minhas pálpebras. Caso eu queira deixar-me mergulhar nas mais profundas melancolias, tenho os dias nublados para fazê-lo. Não há nada mais triste do que um dia sem sol e até o mais molhado deles tem a sua utilidade. Mas não abusem dele! A pouca camada de ozônio que nos resta diz isso. Sol é uma delícia, mas sob a sombra e com muita água gasosa fresca. A minha palidez profunda e a quase ausência de marcas de biquíni que o digam. O.B.S. O meu lindo cachorro também é um amante do sol.

19 de agosto de 2010

(In)dioma

O que te move? O que te compra? O que te vende? O que te consome e bebe em um só gole? Gole vivo e de vontade avassaladora. As borboletas no seu estômago reviram-se por quem? Pelo quê? Em um universo de nomenclaturas e falsos desejos de consumo de pessoas, comida, livros, informação e todo o resto que atrai um corpo faminto, o que faz o seu corpo ansiar pela sensação de quase morte?
Não existe forma de responder aos desejos corpóreos. Ou talvez somente quem encare o seu próprio corpo de frente consiga. Dizem que ele fala, mas fala diferente aos ouvidos internos e aos olhos externos.
Tesão.
Palavra censurada. Palavra viva em todos os que têm vontade. E todos têm vontade. Palavra que atrai corpos, faz escolhas e define quem somos e pelo quê somos. Nossa pulsão por vida ou morte vem dela. A maneira como vivemos é direcionada pelos desejos, inclusive os mais ocultos do nosso corpo.
Corpo.

A rede de circulação de sangue também faz mover o destino. Não o traçado, mas o que seguimos por pulsão, tesão, vontade. O aspirado e conquistado(?) livre-arbítrio nada mais é do que a satisfação de um corpo que quer algo e não se deixa limitar por uma instituição qualquer, seja ela Estado, família ou religião. Pré-conceitos não falam a mesma língua de um corpo que fala.
O eterno confronto “lado racional X lado emocional” tem seu significado reestruturado e arrumado conforme a satisfação ou não de uma pulsão. As impulsividades sinceras perdem o tom reprovativo e tornam-se guias naturais de não-escolha. Apenas acontecem. E assim são. Sempre múltiplas, diferentes e até divergentes.
Limite.

O corpo não aprende limites. Tem o seu próprio e esse é o único que sabe respeitar. Dizer ao corpo o que não desejar tem a mesma consequência de dizê-lo a uma parede. Nada. Talvez aqui caiba a única dificuldade de seguir tesões: como fazer todos conviverem. Os meus podem ir contra os seus e cria-se uma regra para ordená-los e tornar a convivência possível. Assim é estruturada a sociedade, a partir da condenação das pulsões mais violentas à coexistência de mais de um. Se são válidos ou não todos esses impedimentos é outro assunto, muito mais abrangente e fora do meu tesão de escrever. Pelo menos do que estou sentindo agora. O que importa é aprender a dar vida ao que se sente.

Arte.
Não existe arte sem tesão. Da arte de viver à arte de criar. A expressão do corpo resulta nas mais belas visões, audições e sensações. Quem consome e produz o desejo do corpo entende o que está sendo dito. As ansiedades e frustrações são atenuadas drasticamente ao ganhar o mundo exterior. Nossos sentimentos foram feitos para viverem dentro e fora; os tesões não devem ficar presos ao limite da pele.
Não restrinja o pensamento. Escreva, crie, desenhe, pinte, filme, interprete, fale, grite! O entendimento e a compreensão de quem te consumir não importam. Se o seu tesão não fere a alma de ninguém, deixe-o ganhar outros corpos.

10 de agosto de 2010

Articulando

Em meio a desestruturações e re(des)transformações o chão perde solidez. O equilíbrio das pernas se confunde ao trêmulo caminhar das mãos. Segurar o cigarro entre dedos passa de vício relaxante à pulsão corpórea burra e repetitiva. Nada mais vem a dizer. Apenas a relembrar o que já foi dito e deveria ser esquecido. Não almejo repetir erros resolvidos e sofro intolerância a quem tenta reviver os seus. O presente já carrega falhas por si só e agregar os que não lhe pertencem só atrasa o trabalho dos meus joelhos. Não existe um desenho para me guiar, um mapa que ensine as novas direções e coordenadas. Tomar litros de paciência a fim de absorver sabedoria pode ajudar. A vantagem de ser sobrevivente do caos é a renovada capacidade de enxergar as pilastras que surgem. Quando as mãos de uma vida não te suportam mais, sempre há uma nova para ver-te com olhos sem passado e toques vislumbrando algo mais e a mais. Essa é a graça do desconhecido acontecer e abandonar a utopia não desejada. Causa medo no início, é capaz de paralisar as pernas, enlouquecer os amantes da razão e, por fim, torna possível o encontro com novos pés para andarem sincronizados aos seus.