29 de maio de 2011

Gravidade particular

Vou agarrar minhas mãos à primeira corda
Balançar meu corpo em direção aos lados
Sem perder o centro do meio
Ficar tonta por dentro da segurança
Balanço sem sair do lugar
Vagando por cima de quem se segura nos meus pés
O peso não derruba a linha
Eu a escrevi à caneta
Sobre mais linhas de aço
Saio e caço com dedos treinados
Mirando alvos escondidos entre utopias perdidas
Cegas pelo sol
Alimentadas pela lua que não dorme
Acordaram sem enxergar
E deixaram-me ver por seus olhos
O terror da vista viu-se no espelho
Desistiu de sonhar
Sentiu o gosto de não existir
Cedeu às pedras e achou-se ali
Impedindo o concreto de ser real
Desejando voltar ao que não pode
Retrocessos alucinógenos que sonham com a lucidez
A pedra foi contra o vidro
O reflexo caiu ao chão
Procuro por outro
Largo a corda

27 de maio de 2011

Gramas, para que te quero?


Os fatos me puxam ao chão. A sequência deles desperta a vontade de desaparecer no ar ou, ao menos, voltar a ter a opção de segurar-me à vontade de fugir. Mas essa opção não existe mais, virou pó varrido para debaixo da consciência. Enxergar o fim das angústias no outro lado do muro não faz mais sentido à mente racionalizada que sorri para o próximo. O mau humor da manhã não mais mata e ganha suavidade ao longo das horas, por mais lentas que elas insistam em passar. A morte dos andares acima vem a mim em rostos suaves e expressões singelas. Nada pesado e nem tão pouco fácil. Seu peso perde para a insistência em ficar e é essa teimosia que carrego comigo. Teimosia de não ceder, de não voltar, de ficar, de ficar bem, de fazer a mais, mesmo que aos olhos do momento não pareça suficiente. Teimosia de não ceder à menina que quer sentar e implorar para que alguém faça por ela, mesmo isso sendo a opção confortável. Durmo no chão duro e o conforto vem sujo do pó varrido. Aos poucos, limpo os olhos e me enxergo. Crua, despida de desculpas e cheia de culpas. Tragam-me água benta para lavar o que está corroendo minhas mãos. As palavras estão saindo feridas, com sangue de outro. Sangue meu. Sua cicatrização nasce no papel, um aborto que mata o útero e vive o feto. O inverso da lógica amigo da salvação. Que as palavras venham. Abandonem o corpo que não as quer e ganhem os papéis. Devorem linhas e riam das borrachas. Os pedaços de mim que forem com elas estarão melhores do lado de fora.

20 de maio de 2011


Só por hoje, estou viva.
Só por hoje, sobrevivo ao que não suporto.
Só por hoje, te prometo amor.
Só por hoje, não vou mentir.
Só por hoje, não vou tropeçar.
Só por hoje, não vou ceder ao que me destrói.
Só por hoje, consigo.
Só por hoje, aquele machucado não dói.
Só por hoje, vou subir um degrau.
Só por hoje, darei abraços ao mundo.
Só por hoje, vou sentir o abraço de alguém.
Só por hoje, meus olhos vão chorar.
Só por hoje, eles não terão motivo.
Só por hoje, vou ler um livro.
Só por hoje, vou terminá-lo amanhã.
Só por hoje, eu vou escrever.
Só por hoje, vou escrever um livro.
Só por hoje, minhas palavras serão livres.
Só por hoje, elas me libertarão.
Só por hoje, vou fazer valer a pena.
Só por hoje, vou esquecer o que não vale.
Só por hoje, vou consertar o mundo.
Só por hoje, vou arrumar meu quarto.
Só por hoje, minhas promessas serão reais.
Só por hoje, eu não as farei mais.
Só por hoje, eu vou acertar.
Só por hoje, o erro resistirá à borracha.
Só por hoje, a borracha estará longe.
Só por hoje, não vou esquecer.
Só por hoje, vou acordar rindo.
Só por hoje, eu vou acreditar em você.
Só por hoje, vou te amar de novo.
Só por hoje, será para sempre.
Só por hoje, aceito sua boca.
Só por hoje, te dou a minha.
Só por hoje, eu sou sua.
Só por hoje, sou minha.
Só por hoje, não vou pensar no amanhã.
Mas só por hoje.

18 de maio de 2011

A ressaca é minha

Eu tinha medo de crescer. Lutava com forças e emoções para não sentir como gente grande. Abortava escolhas e interrompia ações. Voltava no tempo sem retroceder os anos, buscando sempre viver o dia de ontem que poderia ter sido vivido melhor. Não pensava no hoje e sim no que deixei de fazer. Uma vida voltada a reparar erros que eu não sabia que havia cometido, até o dia seguinte. Eram erros só para mim, que necessitava ficar presa a algo que não exigia quebrar barreiras e transpor muros. Mas isso não os fazia desaparecer. Com o passar do tempo, o tempo acumula-os até a sensação claustrofóbica de não caber no próprio corpo e ter a alma expelida por algum orifício. E torna-se cada vez mais difícil escapar desse percurso. O tempo age quando não evolui.
Fui até o meu limite. A pele rasgava por espaço e a respiração doía em cada célula viva. As que sobreviviam ao ar escasso desejavam a morte. Viver o que não pode ser revivido faz com que o corpo crie anticorpos ao novo e se envenene com a própria substância. Não sonhar com algo que não se tem fez do meu corpo uma carcaça dependente do que a mata, alimentando-se de si própria. No início, ainda era possível sentir certo prazer com isso, inventava uma lógica em que pensava ter controle. Manipulava o que vivi para não viver o que não sabia. Assim segui até esgotar a história e apenas restarem papéis amassados e linhas em branco. A caneta sempre esteve perto, mas a uma distância incalculável das minhas possibilidades. Os cotovelos criaram artrites que os impediam de esticar à frente, sob os olhos. Era preciso vencer a dor e, principalmente, criar coragem para lidar com o que viria depois. A dor nunca foi problema, mas o desconhecido sim.
Quando se dá o primeiro passo no escuro, seus olhos adaptam-se à intensidade de luz. Como subestimamos nosso corpo! Ele é tão sábio que preferimos não ouvi-lo. Nossa ignorância é nossa bênção e, ao invés de nos purificarmos através dela, engordamos com o pão e nos embebedamos com o vinho. Regurgitar o que não cabe é o início para começar a ingerir coisas boas. Mas não se engane, a ressaca não some.