30 de setembro de 2010

"

Há provavelmente uma década atrás, deparei-me com o meu primeiro livro de poesia. Lembro cada momento do nosso momento de sedução. As cores da capa, sua imagem provocativa aos meus hormônios adolescentes, suas palavras. Suas palavras me comeram por dentro. O mais próximo que chegara ao íntimo de um livro penetrando no meu ínfimo literário. Eu não lia. Escrevia, mas com o desespero das palavras que me habitavam. Não havia inspiração por talento algum, apenas a necessidade de expurgar os moradores de um corpo vazio de sentido. Mas as palavras dele fizeram. Capa e contracapa. “Só uma palavra me devora” - “Só uma coisa me entristece, o beijo de amor que não roubei”. Fiquei paralisada. Tinha encontrado as palavras da minha vida. Pobre menina... Mal sabia do poder das que ainda seriam proferidas, lidas e escutadas por muitos anos. Mas foi meu primeiro amor, pelo menos o literário. Anos após Abel, já amando Pessoa e Mary, e com meu livro nas mãos do meu amor real, fui pega sentindo as mesmas sensações daquele dia, naquela livraria, naquele ano que não lembro mais. As palavras perturbaram, não lembraram em nada aquela simples sensação de euforia, mas são elas! Não é novidade o meu apreço pelo medo. Já demonstrei aqui o que um bom medo pode causar. Mas vê-lo tão bem descrito como vi foi indescritível. O livro é o mesmo de anos atrás; a percepção mudou. Hoje, exijo um pouco mais das palavras. E elas me pegaram de novo. “As toupeiras são viventes impulsionadas pela eletricidade do medo e morrem quando deixam de temer e já não cavam mais”. Não entendo bulhufas sobre toupeiras, aliás, sempre falei topeira, mas essas são geniais! Não vou atrever-me a escrever sobre essa frase. Até ensaiei algumas coisinhas, mas, ao olhá-la novamente, tudo pareceu desnecessário. Ela fala uma vida para quem quiser entender e viver. Leia e releia e releia de novo. Nunca será demais. Pensando bem, acho que desperdicei 250 palavras até chegar ao bichano. Ele não precisava de tanta introdução assim, a aspa já seria suficiente.

22 de setembro de 2010

Óculos?

O olhar do outro
Olho de fora
Mira para dentro
Dentro de quem olha
O olhar do outro
Vê imagens diversas
Diferentes visões
Iguais reflexos
O olhar do outro
Diferente de quem é
Igual a quem vê
Não igual ao meu
O olhar do outro
Não chegue aos meus ouvidos
Ou lanço o meu ao seu também
Para jamais mais perto chegar
O olhar do outro
Não pode tampar o meu
Sua diferença não abala a minha igualdade
Seu dedo apenas vai contra o meu

21 de setembro de 2010

Compra-se tempo

Não, eu não tenho mais tempo. O que me restava ficou preso a um passado fechado para manobras; impossível de fazer voltar. Correr atrás do que foi perdido corrói meus sonos mais profundos, transforma-os em noites claras com olhos fechados; um descansar cansativo. O fim do túnel confunde-se com o do poço e a capacidade de diferenciá-los enfraquece a cada noite e seu despertar. A luz do dia não traz mais clareza do que trouxe no dia anterior, é apenas uma repetição potencializada pelo tempo de mais um dia. 24 horas que não mudam nada além dos números no calendário. A esperança que sempre me acompanhou permanece em um constante coma, respirando por aparelhos alimentados pela frustração de tentar demais ou de menos. A tentativa de consertar tentativas forma um círculo vicioso, um círculo de reciclagem sem as vantagens do reaproveitamento. Nada do que foi perdido pode retornar e se encontrar, deixa apenas a sensação de vazio, de falta. Escrever tornou-se uma dor latente. Ver as palavras assumirem o papel de desabafo calado faz delas um espelho de uma mente cansada de funcionar e sem coragem para voltar a enxergar. Mas talvez seja esse o caminho a seguir; tornar visível aos olhos o que é silenciado pela culpa e assim voltar a tentar. Tentar e tentar e tentar. Até que o cansaço domine o corpo de novo. Passar a compreender que a renovação é de energia e não de fracassos; que o cansaço e as cãibras são consequências do esforço e não da inércia. É difícil. Ser fraco parece ser mais fácil do que assumir as consequências dos próprios atos e seguir caminhando. Mas agora está feito o que deveria estar feito. Assumi meu compromisso com as palavras, não posso apagá-las. Minha borracha não as alcança. Verbalizar fraquezas tem o mesmo poder de gritá-las ao mundo. Acabei de gritar e minha garganta sente a potência da própria voz. Não há o que ser calado, nem apagado. Só me falta aprender a não pensar no tempo e o seu tempo de acontecer, trazer a sua particularidade para um e não para o comum. Continuar tentando é o que resta.