28 de dezembro de 2010

Figa

Braços abertos
Mãos almejando sentir
Não o que o destino trouxer
Mas o destino escolhido para viver

Sem o temor das pedras
Os joelhos calejados não mais calejam
Os olhos secos aprenderam a chorar
O ácido cai e dissolve

Medos ganham poder de reação
A mente fornece as armas
Balas de borracha e gatilhos de caneta
Atiram em folhas corpóreas

De repente tudo amortece
As proteções não mais existem
Somente a memória delas
E a lembrança me basta

O caminho é percorrido com ar
O novo fôlego é usado
Sábio idoso e jovem sonhador
Combinação feita para andar

As dores convertidas em pulsão
Fazem dos impedimentos um pedir incansável
A energia infinita traz esperança
Para um tesão insaciável

17 de novembro de 2010

Oração ao tempo

O TEMPO passou por mim. Passou, mas não deixou seu TEMPO parar. O TEMPO que me era amigo passou a ditar verdades. Não somente as verdades sinceras, mas as verdades que só o TEMPO sabe. Aquelas que o TEMPO não apaga, mas que só são reveladas no TEMPO certo. TEMPO, meu TEMPO, peço que passe devagar. Imploro que deixe os pequenos tempos terem seu TEMPO prolongado, para que eu não sinta a dor do TEMPO perdido. O que não pode voltar, que descanse o TEMPO necessário, até que o novo TEMPO inicie a sua jornada. TEMPO, gire mais lentamente os ponteiros do relógio. Deixe que o TEMPO da noite tenha as horas dos meus sonhos e os dias o TEMPO das articulações da minha mão. Leve o TEMPO ocioso contigo e me deixe apenas a parte do seu TEMPO que me faz feliz. Que o TEMPO inútil transforme-se no balançar da rede e o produtivo ganhe um balanço natural. TEMPO, meu TEMPO, acostume-se ao meu TEMPO. Deixe-o te mostrar que todo TEMPO tem o seu valor próprio de TEMPO. Não há antes, nem durante e, muito menos, depois. Só há TEMPO. E TEMPO do bom. TEMPO do TEMPO certo e não do TEMPO que não volta. TEMPO, siga seu TEMPO e desenhe o meu caminho. Escreva poesias para eu alimentar meus devaneios enquanto faço o meu TEMPO andar. Molharei o chão do TEMPO com meu suor, que secará enquanto leio as palavras rabiscadas no TEMPO. O alimento do TEMPO não me faltará enquanto eu buscar pelo meu TEMPO. Assim, eu seguirei pelo TEMPO que for. For necessário. For do TEMPO. O TEMPO não me mostra respostas, mas o TEMPO em que vivo me deixa escrever as perguntas.

7 de outubro de 2010

Keep walking

Andar na corda bamba. Difícil de movimentar-se e arriscado demais para quem não consegue levantar-se da queda. Correr riscos faz parte de uma vida que progride, mas viver deles pode levar ao alcance de um cansaço fatal. Torna-se difícil perceber quando as pontas que seguram linhas passam a não segurar mais. O corpo acostuma-se ao movimento e, lentamente, passa a entendê-lo como estável, possível de caminhar. A falsa confiança de quem anda no limite de cair é o que faz esses andarilhos continuarem se equilibrando. Até que um dia as pernas não aguentam mais. Caem da mais alta altura que é possível de subir. O corpo segue o seu impulso natural e agarra-se ao que estiver por perto, na tentativa de salvação e sem qualquer tipo de responsabilidade ao que carrega consigo. Cordas paralelas suportam pessoas que correm o risco de caírem juntas; uma corda bamba balança uma estável. Não importa o quão firme está uma corda, se você não afastar as que desestabilizam a sua, a queda do outro vira a sua. Para alinhar cordas, é preciso que o que prende as extremidades de uma faça sentido à outra e que, juntas, se afinem e produzam harmonia. A afinação entre cordas é a mais complexa música a ser encontrada e ainda não há partitura que comporte sua complexidade. Às vezes, surge uma melodia na mente do mais brilhante músico e ali ela morre. Falta o papel certo. Aquele que carregará o segredo mais antigo e valioso da existência das pessoas que (com)vivem pessoas: o que une dois e separa um de um.

3 de outubro de 2010

Chão

Ir, vir, ficar ou partir
Não importa a direção
E se irão te seguir
Somente os próprios pés te levarão
Saber o que se tem
E o que permanecerá
A liberdade de seguir
E tudo que podes levar
A pulsão ganha vida
Os caminhos se abrem
Pelas mesmas pedras ou novas
As pernas seguem

30 de setembro de 2010

"

Há provavelmente uma década atrás, deparei-me com o meu primeiro livro de poesia. Lembro cada momento do nosso momento de sedução. As cores da capa, sua imagem provocativa aos meus hormônios adolescentes, suas palavras. Suas palavras me comeram por dentro. O mais próximo que chegara ao íntimo de um livro penetrando no meu ínfimo literário. Eu não lia. Escrevia, mas com o desespero das palavras que me habitavam. Não havia inspiração por talento algum, apenas a necessidade de expurgar os moradores de um corpo vazio de sentido. Mas as palavras dele fizeram. Capa e contracapa. “Só uma palavra me devora” - “Só uma coisa me entristece, o beijo de amor que não roubei”. Fiquei paralisada. Tinha encontrado as palavras da minha vida. Pobre menina... Mal sabia do poder das que ainda seriam proferidas, lidas e escutadas por muitos anos. Mas foi meu primeiro amor, pelo menos o literário. Anos após Abel, já amando Pessoa e Mary, e com meu livro nas mãos do meu amor real, fui pega sentindo as mesmas sensações daquele dia, naquela livraria, naquele ano que não lembro mais. As palavras perturbaram, não lembraram em nada aquela simples sensação de euforia, mas são elas! Não é novidade o meu apreço pelo medo. Já demonstrei aqui o que um bom medo pode causar. Mas vê-lo tão bem descrito como vi foi indescritível. O livro é o mesmo de anos atrás; a percepção mudou. Hoje, exijo um pouco mais das palavras. E elas me pegaram de novo. “As toupeiras são viventes impulsionadas pela eletricidade do medo e morrem quando deixam de temer e já não cavam mais”. Não entendo bulhufas sobre toupeiras, aliás, sempre falei topeira, mas essas são geniais! Não vou atrever-me a escrever sobre essa frase. Até ensaiei algumas coisinhas, mas, ao olhá-la novamente, tudo pareceu desnecessário. Ela fala uma vida para quem quiser entender e viver. Leia e releia e releia de novo. Nunca será demais. Pensando bem, acho que desperdicei 250 palavras até chegar ao bichano. Ele não precisava de tanta introdução assim, a aspa já seria suficiente.

22 de setembro de 2010

Óculos?

O olhar do outro
Olho de fora
Mira para dentro
Dentro de quem olha
O olhar do outro
Vê imagens diversas
Diferentes visões
Iguais reflexos
O olhar do outro
Diferente de quem é
Igual a quem vê
Não igual ao meu
O olhar do outro
Não chegue aos meus ouvidos
Ou lanço o meu ao seu também
Para jamais mais perto chegar
O olhar do outro
Não pode tampar o meu
Sua diferença não abala a minha igualdade
Seu dedo apenas vai contra o meu

21 de setembro de 2010

Compra-se tempo

Não, eu não tenho mais tempo. O que me restava ficou preso a um passado fechado para manobras; impossível de fazer voltar. Correr atrás do que foi perdido corrói meus sonos mais profundos, transforma-os em noites claras com olhos fechados; um descansar cansativo. O fim do túnel confunde-se com o do poço e a capacidade de diferenciá-los enfraquece a cada noite e seu despertar. A luz do dia não traz mais clareza do que trouxe no dia anterior, é apenas uma repetição potencializada pelo tempo de mais um dia. 24 horas que não mudam nada além dos números no calendário. A esperança que sempre me acompanhou permanece em um constante coma, respirando por aparelhos alimentados pela frustração de tentar demais ou de menos. A tentativa de consertar tentativas forma um círculo vicioso, um círculo de reciclagem sem as vantagens do reaproveitamento. Nada do que foi perdido pode retornar e se encontrar, deixa apenas a sensação de vazio, de falta. Escrever tornou-se uma dor latente. Ver as palavras assumirem o papel de desabafo calado faz delas um espelho de uma mente cansada de funcionar e sem coragem para voltar a enxergar. Mas talvez seja esse o caminho a seguir; tornar visível aos olhos o que é silenciado pela culpa e assim voltar a tentar. Tentar e tentar e tentar. Até que o cansaço domine o corpo de novo. Passar a compreender que a renovação é de energia e não de fracassos; que o cansaço e as cãibras são consequências do esforço e não da inércia. É difícil. Ser fraco parece ser mais fácil do que assumir as consequências dos próprios atos e seguir caminhando. Mas agora está feito o que deveria estar feito. Assumi meu compromisso com as palavras, não posso apagá-las. Minha borracha não as alcança. Verbalizar fraquezas tem o mesmo poder de gritá-las ao mundo. Acabei de gritar e minha garganta sente a potência da própria voz. Não há o que ser calado, nem apagado. Só me falta aprender a não pensar no tempo e o seu tempo de acontecer, trazer a sua particularidade para um e não para o comum. Continuar tentando é o que resta.

26 de agosto de 2010

Waiting For The Sun

Minha inspiração tinha relógio. Um relógio sem hora e sem compromisso com nada. Surgia no tempo certo em que eu deveria fazer outra coisa: dormir. Nas noites mais profundas, quando o sono supostamente me bastaria, ela vinha. Enterrava-me em suas angústias e me fazia buscar pela superfície lisa mais próxima. Sempre foi um mistério para mim a antiga ligação da minha escrita com a noite. Mesmo com a adoração pela lua, o sol nunca abandonou meus pensamentos. Há quem funcione melhor sob a luz artificial, com a escuridão como pano de fundo para o funcionamento de uma mente inquieta. Digo isso com a certeza de alguém que já teve sua efetividade ligada a essa exigência. Agora meu relógio é outro. Minha urgência passa pela noite, mas como a satisfação das minhas necessidades fisiológicas. A noite passou a ser apenas um processo de inspiração para o que vem depois dela. O sol surge com força. Escrever pela manhã amenizou certas características. Trouxe bom humor, leveza e uma espontaneidade saudável. Enquanto a noite tem tonalidade de desabafo, o dia transforma este desabafo em resolução. O dia traz clareza aos pensamentos. O que era atordoante no ápice da insônia ganha simplicidade e uma compreensão mais fácil com a luz natural. O sol tem o poder de tornar os problemas menos problemáticos e as esperanças mais palpáveis. Isso deve explicar aquela antiga frase “nada melhor do que um dia após o outro” e com uma noite bem dormida no meio. É durante a noite que os nossos pensamentos se organizam. Parar para explicá-los durante o processo não pode ser tão elucidativo assim. É melhor deixa-los descansar junto à desaceleração do metabolismo. Se o corpo não está apto a realizar grandes esforços madrugada adentro, nossa mente também merece esse descanso. Longe de mim colocar-me contra as diversas mentes brilhantes notívagas. Apenas aprendi a duras horas de sono perdidas que o dia existe para ser usado, além de ser ecologicamente correto. O sol não nasce para eu dormir e a lua pode ser admirada até o pesar das minhas pálpebras. Caso eu queira deixar-me mergulhar nas mais profundas melancolias, tenho os dias nublados para fazê-lo. Não há nada mais triste do que um dia sem sol e até o mais molhado deles tem a sua utilidade. Mas não abusem dele! A pouca camada de ozônio que nos resta diz isso. Sol é uma delícia, mas sob a sombra e com muita água gasosa fresca. A minha palidez profunda e a quase ausência de marcas de biquíni que o digam. O.B.S. O meu lindo cachorro também é um amante do sol.

19 de agosto de 2010

(In)dioma

O que te move? O que te compra? O que te vende? O que te consome e bebe em um só gole? Gole vivo e de vontade avassaladora. As borboletas no seu estômago reviram-se por quem? Pelo quê? Em um universo de nomenclaturas e falsos desejos de consumo de pessoas, comida, livros, informação e todo o resto que atrai um corpo faminto, o que faz o seu corpo ansiar pela sensação de quase morte?
Não existe forma de responder aos desejos corpóreos. Ou talvez somente quem encare o seu próprio corpo de frente consiga. Dizem que ele fala, mas fala diferente aos ouvidos internos e aos olhos externos.
Tesão.
Palavra censurada. Palavra viva em todos os que têm vontade. E todos têm vontade. Palavra que atrai corpos, faz escolhas e define quem somos e pelo quê somos. Nossa pulsão por vida ou morte vem dela. A maneira como vivemos é direcionada pelos desejos, inclusive os mais ocultos do nosso corpo.
Corpo.

A rede de circulação de sangue também faz mover o destino. Não o traçado, mas o que seguimos por pulsão, tesão, vontade. O aspirado e conquistado(?) livre-arbítrio nada mais é do que a satisfação de um corpo que quer algo e não se deixa limitar por uma instituição qualquer, seja ela Estado, família ou religião. Pré-conceitos não falam a mesma língua de um corpo que fala.
O eterno confronto “lado racional X lado emocional” tem seu significado reestruturado e arrumado conforme a satisfação ou não de uma pulsão. As impulsividades sinceras perdem o tom reprovativo e tornam-se guias naturais de não-escolha. Apenas acontecem. E assim são. Sempre múltiplas, diferentes e até divergentes.
Limite.

O corpo não aprende limites. Tem o seu próprio e esse é o único que sabe respeitar. Dizer ao corpo o que não desejar tem a mesma consequência de dizê-lo a uma parede. Nada. Talvez aqui caiba a única dificuldade de seguir tesões: como fazer todos conviverem. Os meus podem ir contra os seus e cria-se uma regra para ordená-los e tornar a convivência possível. Assim é estruturada a sociedade, a partir da condenação das pulsões mais violentas à coexistência de mais de um. Se são válidos ou não todos esses impedimentos é outro assunto, muito mais abrangente e fora do meu tesão de escrever. Pelo menos do que estou sentindo agora. O que importa é aprender a dar vida ao que se sente.

Arte.
Não existe arte sem tesão. Da arte de viver à arte de criar. A expressão do corpo resulta nas mais belas visões, audições e sensações. Quem consome e produz o desejo do corpo entende o que está sendo dito. As ansiedades e frustrações são atenuadas drasticamente ao ganhar o mundo exterior. Nossos sentimentos foram feitos para viverem dentro e fora; os tesões não devem ficar presos ao limite da pele.
Não restrinja o pensamento. Escreva, crie, desenhe, pinte, filme, interprete, fale, grite! O entendimento e a compreensão de quem te consumir não importam. Se o seu tesão não fere a alma de ninguém, deixe-o ganhar outros corpos.

10 de agosto de 2010

Articulando

Em meio a desestruturações e re(des)transformações o chão perde solidez. O equilíbrio das pernas se confunde ao trêmulo caminhar das mãos. Segurar o cigarro entre dedos passa de vício relaxante à pulsão corpórea burra e repetitiva. Nada mais vem a dizer. Apenas a relembrar o que já foi dito e deveria ser esquecido. Não almejo repetir erros resolvidos e sofro intolerância a quem tenta reviver os seus. O presente já carrega falhas por si só e agregar os que não lhe pertencem só atrasa o trabalho dos meus joelhos. Não existe um desenho para me guiar, um mapa que ensine as novas direções e coordenadas. Tomar litros de paciência a fim de absorver sabedoria pode ajudar. A vantagem de ser sobrevivente do caos é a renovada capacidade de enxergar as pilastras que surgem. Quando as mãos de uma vida não te suportam mais, sempre há uma nova para ver-te com olhos sem passado e toques vislumbrando algo mais e a mais. Essa é a graça do desconhecido acontecer e abandonar a utopia não desejada. Causa medo no início, é capaz de paralisar as pernas, enlouquecer os amantes da razão e, por fim, torna possível o encontro com novos pés para andarem sincronizados aos seus.

18 de julho de 2010

3 vidas

Não faço por mim
Nem por ninguém
Faço pelo sonho
Faço por um amanhã
Cansada de caminhar por essas ruas
De viver os mesmo rostos
Temendo os conhecidos monstros
A ânsia de mover degraus corrói as mãos
Transformá-los em planícies com grama
Deitar o corpo para nunca mais levantar
E soltar alguns leves risos de sossego
A escuridão que abraça meus passos
Impede que a luz aproxime-se deles
Apenas sinto o que vem
Com a visão turva de quem fica confortável vivendo a penumbra
Quase nada me impede
Apenas o que sobreviveu a mim
Minhas angústias não te alcançam
O limite da pele as prende
Mesmo com a vontade de arrancá-las
E deixar o sangue afogar seus gritos
As tentativas frustradas
Moram perto da ousadia de mudar
Ir para casa não mais acolhe
Percorrer o mundo vizinho
Faz esquecer as mazelas do meu
E sigo sem o velho destino
Deixo este preso ao que não foi
É melhor não ver o que vem
A manter a visão presa ao que não volta
Meu labirinto não mostra alternativas
A perdição insiste Só uma direção
No escuro Ao centro Retornar cansa mais
Vou seguir
Ainda me restam algumas vidas
Até...

10 de julho de 2010

Sem tapete

Eu escolho minhas batalhas
Seleciono as armas
E, principalmente, as que não merecem ir à guerra
Um exército de somente um soldado só
Não o mais forte 
Mas o que ainda consegue lutar
E se propõe a enfrentar doenças e submundos
Os fantasmas do passado
Conflitos presentes
Com coragem e ousadia para sonhar o futuro
Não me acompanhe
Esse pode ser um caminho sem volta
A vida só é garantia no início
O que se segue é sobrevivência
Resistências ao ataque amigo
Não há inimigos no caos da unidade
Também não há um fim no perímetro
As munições esgotam-se
A blindagem renova-se a cada golpe
Para enxergar a paz
É necessário submergir-se na poeira
E apenas meus olhos são treinados para percebê-la
Não preciso que compre minhas lutas
Apenas esteja aqui
Quando o cansaço dominar-me
Escute o silêncio de um combatente
Sem força para as palavras
Mas crente no recomeço

7 de julho de 2010

"Here am I floating round my tin can / Far above the moon / Planet Earth is blue, and there's nothing I can do..."

A viagem é sempre longa. De Paquetá ao Japão. Os quilômetros de minutos de que preciso fazem da minha estrada um caminho sempre longo. Não importa o destino, são os passos o que sempre percorro. Cada flexão de joelhos, cada milésimo de milésimo de segundo em que os pés não tocam o chão. É esse o momento que faz uma viagem valer à pena. Nunca lembramos o que deve ser lembrado. Nem sentimos os pés ao ar, mas eles permanecem assim pelo tempo necessário para não nos fazer beijar o chão. O chão é território dos pés. A boca deve sempre olhar o horizonte. À frente dos olhos e sob a singela sombra do nariz. A minha viagem não precisa de espaço e, muito menos, da mudança de um para outro. De que adiantaria mudar-se para outro mundo com a mente presa à origem? A viagem perfeita é aquela feita no ônibus do desprendimento e que permanece no presente. O que me faz andar milhas é a simples vontade de movimentar as pernas. E os pés. Acompanhados dos joelhos trabalhadores. O resto é só o resto. O corpo apenas se move. O que faz a viagem é a necessidade de, por algum instante, abandonar o chão que te prende à sua realidade. E ela é tão forte que resiste muito pouco tempo. Os pés são logo puxados com urgência, para o chão senti-los acarinhando sua superfície áspera. Não é a gravidade que te mantém presa, é o medo do chão de perder seu andarilho para aqueles milésimos de milésimos de segundo livres. Essa sensação deve ter esse curto espaço de tempo para eu nem sequer imaginar essa liberdade perdurando. Seria como viver de devaneios e acreditar nos sonhos mais calados. Talvez encontrar um dicionário que te ensine a viver a felicidade ao invés de pronunciá-la como um simples objetivo/substantivo. A viagem é fuga ao encontro desse momento esporádico. Há quem precise percorrer o mundo. Eu sou barata, só um papel e uma superfície sólida me bastam. Nem preciso não tocar o chão com os pés para senti-los não sentirem nada. Já gravei na memória essa sensação e é ela que persigo e persigo e persigo. Fazer de um quase insignificante um permanente. Lembro-me quando movia os pés aceleradamente, sempre acompanhados da água salgada liberada pela pele. Talvez, a adrenalina seja um jeito do corpo abençoar a busca pela ausência do chão. Você corre e corre para permanecer cada vez mais sem o chão, mas, ao mesmo tempo, você precisa dele como trampolim. Só se viaja com uma realidade solidificada para te impulsionar e incomodar. Mover os pés com velocidade é o mais próximo que se pode chegar de um mundo paralelo; com os dois pés ao ar e sobrevoando. Sinto pena e um profundo incômodo de quem não almeja essa viagem antigravitacional. Abster-se do estado mental do chão é dar lugar a uma viagem existencial saudável e viciante. Andar faz circular o sangue e qualquer ideia de vida circulante por ele. Talvez eu consiga isso pelo papel também. Os diversos segundos que a minha caneta se afasta do meu chão artificial e dá espaço aos novos pensamentos, novas letras, vogais e quebras de linha. Ou talvez não seja nada disso. Não sei... Só sei que viajo porque preciso. Volto porque quero.

26 de junho de 2010

"Vem, senta aqui..."

A razão está perdendo força. Pensamentos programados e calculados viraram lembrança de um passado errante. Não houve cálculos capazes de gerar um mínimo resultado positivo. A ausência de somas e as repetidas subtrações configuram o que sobrou de uma vida racionalizada. Não há o que fazer quando se abre uma porta, além de esperar o pode entrar por ela. O que está chegando tem a força de um futuro aliada à novidade constante de um presente bem vivido. Os pensamentos em sua forma bruta acabam tomando forma emocional. O chão fica mais macio e sem lombadas. Não há o que te derrube quando se sabe que o tombo não será só. O frio da razão é aquecido por qualquer volume de pele que encosta na sua, por qualquer encontro despretensioso de olhos. Um simples cheiro causa uma revolução estrutural, que atravessa o limite do corpo e acarinha a alma. A extinção do exato deixa as pernas bambas, mas nunca antes tão fortes. Chega a assustar que sentimentos piegas e frases clichês saiam tão naturalmente de uma mente que contava até os fios de cabelo brancos. Um sorriso constrangido com tanta sentimentalidade transborda da boca costurada a sangue frio e dedos trêmulos. O tempo parou de ser medido em números e teve a sua relevância reduzida ao movimento do sol e à consequente variação de luz. Os graus de importância resumem-se a estar e não estar. Tudo o que circula entre os estados intermediários busca naturalmente o seu lugar em alguma destas extremidades. E ali permanece como se tivesse nascido para pertencer a apenas um ponto. As palavras repetem-se sem cansar os seletivos ouvidos e trazem consigo um novo significado a cada momento em que deixam o silêncio acolhedor da boca. Entregar a razão aos matemáticos fez surgirem novas maneiras de ver o que os antigos olhos já não viam. Novas visões de antigas pinturas. Novas percepções de conhecidas perturbações. As barreiras têm a altura dos degraus em que encosto meu corpo. E a vontade de permanecer neles é inerente às novas sensações. Pulsantes, vivas e congruentes. Que os sonhos continuem ao lado, deixando ao longe a possibilidade da razão voltar a assombrar a minha recém descoberta sentimentalidade barata.

10 de junho de 2010

Exaustão



Sem disponibilidade mental para devaneios.
HD super ocupado com provas, Bibi Ferreira, opiniões públicas e muitos relatórios.
Após o furacão universitário, eu volto!

4 de junho de 2010

Valsa Polar

O silêncio é a mais evoluída das conversas. A mais difícil e a mais sincera. Quem consegue viver o silêncio em uma conversa de dois pode ser capaz de verbalizar qualquer som que seja. Ouvir uma combinação de respirações pode ser extremamente perturbador a quem não consegue ouvir somente a sua. O ar, ao sair dos pulmões sem a companhia de palavras, traz consigo a solidão que vive dentro e ninguém quer ver fora. O mudo é solitário e um simples som é a amnésia da solidão. Falamos porque não queremos ouvir a voz que não fala, mas também não cala. Eu gosto do silêncio. Também gosto de compartilhar silêncio com quem fala a mesma língua que eu. A não enunciação de sons entre duas pessoas pode criar uma sinergia quase utópica. Pessoas que se comunicam em silêncio pensam mais do que dizem e dizem mais do imaginam. Olhar nos olhos sem a trilha sonora falada é dançar uma valsa de memória, os passos seguem um ritmo próprio, com uma melodia sem cadência, mas que balança. Os olhos em silêncio veem diferente, perdem o desvio sonoro e focam-se no balanço dos olhos à frente. O silêncio tem o poder de aproximar as palavras que não combinam e afastar o que as separa. Se existe reza verdadeira, é feita em silêncio. Se existe prece atendida, foi pedida em silêncio. Se existe amor verdadeiro, foi compreendido com o silêncio. Só existe um silêncio vazio, aquele que, em algum momento, calou uma palavra.

30 de maio de 2010

Palavras apenas... Palavras pequenas... Palavras, momento.


Abro mão dos pés. E das pernas. E da face. E de tudo aquilo que não preciso quando te tenho nas mãos. Há quem se contente apenas com o prazer corpóreo. Eu prefiro ir fundo. Vou dentro das palavras. É com elas que o ápice da alma torna-se alcançável. Por elas, eu escalo a mais alta das montanhas verbais. O suor é doce, os músculos resistentes, as mãos incansáveis. Escrever tem os pontos de um alfabeto inteiro. Prazeres distintos, potentes e que exigem de mim apenas eu. Ao embarcar em uma viagem de papel, os orgasmos são múltiplos e reais e sofridos. Não há limite físico capaz de frear uma mente desejando um papel. Não há falo capaz de saciar uma mente que sofre de bulimia emocional. Dê-me apenas um lápis, ou uma caneta, ou outra coisa que manche um papel. Pode ser sangue. Se precisar, tire o meu. Apenas deixe que o processo de expulsão das palavras seja registrado em algo palpável. Porque a minha mente é narcísica e precisa ver-se refletida no que a mão pode tocar. Tocar, tocar e tocar. Viveria uma vida a tocar palavras e deixá-las percorrer os caminhos que quiserem, sempre em busca da satisfação da minha mente. O tesão pelo papel é pulsão por vida. Os gozos com palavras são poesia. A mais bela das poesias, que transforma seu corpo em pó e faz da sensação de quase morte apenas um espasmo. Às vezes, o gozo vem com melodia. Às vezes, o silêncio de um suspiro profundo é o que basta. Quero alimentar-me desse gozo, beber as gotas do meu pensamento e deixá-las escorrer vida pelo papel. Vou construir um castelo de palavras e viver fechada em um mundo manuscrito. Letras sensíveis construídas por mãos desesperadas. Uma memória de papel e uma mente vazia para o novo. Assim deve ser. Deixar o corpo externar o que a mente guarda. Sentir prazer com o que sai. E seguir à procura, sempre à procura. Não peço nada a mais, mas também não me contentarei com nada a menos. A dose certa. O exagero mata, assim como a escassez. Quero a energia suficiente para deixar brotar borboletas no útero e parir o mais belo conjunto de palavras. E papel, muito papel. E mãos, apenas as duas. Uma para abraçar o papel. Outra para viver o papel.

22 de maio de 2010

Qual a sua marca favorita?

Eu sou marcada. Não só no corpo, mas na alma e em cada centímetro de qualquer possibilidade de vida que há aqui dentro. Essa semana, um livro me disse a seguinte frase: “Pessoas marcadas são perigosas, pois sabem que podem sobreviver”. Desenvolvi uma ligação imediata e intensa com essas palavras, não sei se por identificação ou por uma assustadora surpresa. Considero-me uma pessoa forte, ou melhor, que precisou ser forte em alguns momentos e não se decepcionou. Fez o que tinha a fazer, com o que tinha para fazer. Nada de muito surpreendente para alguém que pensa que só passamos pelo que somos capazes de aguentar. As marcas vão aumentando e espremendo-se para caber em um corpo só, mas a gente nem sente esse movimento; é natural, não dá prazer, mas também não dá dor. Com o tempo, começa a surgir uma sensação de separação do resto do mundo. Parece que as marcas falam um idioma que só eu entendo e, portanto, sou a porta-voz delas para o fora. Além de traduzi-las, há de se trabalhar seus movimentos peristálticos, que absorvem tudo, cada vibração, som e significado. Isso é bem desgastante, confesso. Talvez seja por isso que marcas ganham aparência de introspecção. Mas talvez seja só cansaço. Ao ler a palavra perigosa bem ao lado da marca, vi nascer uma descrição muito mais clara para o que eu, despretensiosamente, chamava de falta de paciência ou indiferença. O que percebo agora é que as pessoas marcadas são diferentes. Tão diferentes que chegam a assustar os mais desavisados. Deve ser mesmo um pouco perturbador deparar-se com alguém que não se comove com qualquer coisa e tem limites muito bem definidos para o que surge à frente. Pessoas marcadas sabem o que não querem e isso passa aos outros uma impressão de autoconfiança, beirando a indiferença pelo fora. Não sei se as marcas chegam a ser perigosas. Talvez sejam apenas para quem as tem e não consegue lidar com isso. As marcas carregam consigo uma vida paralela que, aos poucos, você aprende a deixar em um mundo próprio, com acesso exclusivo aos seus protagonistas. É como se fosse um buraco negro, uma caixa de pandora de onde nunca se tira o mesmo. As marcas só possuem o mesmo desenho, mas seu discurso muda a cada leitura. O significado de uma marca é mutável e é isso que possibilita aos seus portadores sobreviver. Ler algo que te mostra sempre algo renovado e te ensina a sobreviver às novas dores permanentes. As pessoas marcadas sobrevivem porque é o que sabem fazer. Não lhe ensinaram a desistir e não sabem fazer isso. O fundo do poço não é tão assustador quando você sabe que pode sair dele. O caminho que você desce é o mesmo para subir; é um labirinto de um só longo caminho. Aquela paciência que não sobra para os outros é utilizada com primor por quem carrega marcas. Mas não tenha medo dos marcados, só tenha cuidado com suas marcas. Elas podem sobreviver enquanto a pele lisa se desfragmenta com facilidade. Já ouviram falar que um osso dificilmente quebra de novo no mesmo lugar? As pessoas marcadas são como um osso multifraturado, com fissuras rígidas e que não repetem sofrimento. Mas, nem por isso, almejam outros. Cuidar das antigas marcas não significa estar aberta às novas. Apenas não as tememos. Serão mais um labirinto.

16 de maio de 2010

ManaNana

Eu tenho um desenho no braço
Um dos sete
O mais significativo dos sete
O único que amo
O olhar debruçado na janela
A inocência perdida
O tempo que não volta
Tudo em uma imagem de criança
Não posso carregar-te mais no colo
Mas damos as mãos
Ainda tenho um colo
E braços
E abraços
E o que precisares
Olhar à direita transforma meu dia
Leva-me àquela grama verde
Naquele jardim
Naquela casa
Daquilo que fomos um dia
Mas prefiro o hoje
As brincadeiras de molecas
São vividas por mulheres
A vida me deu a segunda chance
E eu agarrei-a
Aprendi o quanto és indispensável
Não te quero longe de mim
Por mais que o futuro guarde isso
Espero que ele seja nosso irmão
E fique conosco
Juntas sempre
Amigas sempre
Irmãs sempre
O desenho vai envelhecer
Assim como nós S
urgirão outras pessoas
Outros sonhos
Outras vidas
Em diferentes janelas
Diferentes gramas
Sem a velha casa
Mas nós seremos sempre nós

13 de maio de 2010

1, 2, 3 e... Já!

Não estou mais à procura da idade. Era uma busca exaustiva por alguma que fizesse mais sentido do que a minha. Não consigo lidar com os números da vida, contabilizar vírgulas, pontos, reticências e etceteras. Talvez não saiba a serventia exata de se ter idade. Ter menos, mais ou igual nunca fez muito sentido. Já almejei ter 30, aliás, sempre foi meu profundo anseio. Agora, que estou muito próxima de alcançar essa utopia, o encanto parece que se perdeu em algum lugar dos 20. A idade deveria ser medida pelas marcas da alma, pelos sonhos perseguidos – perdidos ou alcançados – e pelas mãos. Certa vez, li que as mãos entregam a verdadeira idade de alguém. Não importa o quão tecnologicamente a pessoa altera-se, sua alma é vista pela mão. A minha ainda conserva certa aparência nova, apesar de não fazer nada para isso aconteça. Somente aplico cores em suas extremidades, nada a mais. Minha mãe tem as mãos calejadas. É lutadora desde nova e sua história pode ser lida pelas linhas e curvas acentuadas. A minha torna-se uma folha em branco ao lado da dela, um papel com espaços livres para presentes e futuras histórias. Apesar das diversas rasuras já rabiscadas, minhas mãos aspiram por muito mais. Quero sorver cada líquido, desmaterializar solidificações e respirar todos os possíveis cheiros e ares. Libertar-se dos números traz um alívio imponente e imediato. Expulsa os padrões, receios e arrependimentos. Equaliza as sensações por patamares de importância, deixando neuroses e atrasos em seus devidos lugares. Se você parar para pensar, tudo na vida que remete ao estresse possui número(s) envolvido: senhas, celulares, conta de banco, documentos, endereços, trabalho, estudo... Já somos apenas números para o mundo e eu não vou autodefinir-me como tal. Quero ser mais do que um dois ao lado de um seis ou qualquer parceria que vá, inevitavelmente, surgir. Consigo ver-me vivendo sem os meus números, encarando somente o que as mãos querem mostrar. Minha fonte de vida vem DELAS e do que ELAS são capazes de fazer. Foi com ELAS que abracei as folhas do Pooh e são ELAS que acarinham teclas. Somente ELAS conseguem traduzir em algo menos incompreensível o amontoado de pensamentos que vivem na minha cabeça. Nada mais justo do que deixá-las definir de quantos anos sou merecedora. Meus aniversários, a partir de agora, vão ser em homenagem a mais um ano e não a tantos anos. Vou acompanhar o passar da vida das minhas mãos, quero vê-las envelhecer lentamente, no seu tempo certo. Quando perderem sua principal função, será a minha hora de ir embora. Seria muito sofrido viver sem poder dar asas aos dedos, articulações, músculos, ligamentos e pequenos ossos. Vou viver e partir com ela.

9 de maio de 2010

Águas de Sertão

Não, eu não vou chorar
Nem me venha com o mais profundo dos sofrimentos
Meu corpo não mais lava as dores
Tudo sai seco
Contrações faciais sem água salgada
A alma parece suja
Não há lágrimas para purificá-la
Morreram naquele momento
Em que chorei pela primeira vez sem elas
E preferi não o fazer mais
Adaptei-me sem água
Não me fazem mais tanta falta
Chorei mortes a seco
Chorei filmes a seco
Hoje, prefiro apenas sofrer
Um instante levou-as de mim
E não lembro qual
Foi por uma estrada
E não sei seguir esta
Não há luz suficiente
Fiquei com medo do escuro
Não deixei de sentir
Cada sensação é potencializada
Quando não se tem como expulsar
Acabam vivendo aqui dentro
Sem saídas de emergência
Mas elas saem
Um dia saem
Quando viram uma doce nostalgia
E suprem a vontade do sabor
Encontram um novo sorriso
E não precisam mais banhar-se em águas salgadas

7 de maio de 2010

A vida de viver e morrer

Fiz as pazes com a palavra. Não consegui abster-me por muito tempo da sua poesia e profundidade. Sim, toda palavra é profunda, é só saber usá-la e aplicar nela todo o seu potencial. Toda palavra tem o que dizer e é por isso que idolatro cada uma. Do sim ao não. Da vida à morte. Dizem que quem diz o quer ouve o que não quer. Eu aprecio tudo o que me é direcionado. Quem não gosta do que ouve é porque não entende o poder do que é proferido. Cada palavra pode mudar uma vida, transformar um pensamento e evoluir a menor das mentes. É necessário alinhar os sentidos, torná-los algo congruente para absorver o que muitos preferem fazer só com o ouvido. O corpo escuta com a mesma intensidade, mas é preciso deixá-lo participar desse processo. O nosso composto de redes sanguíneas principal passa pelo pescoço. Para morrer, basta cortar a jugular; para viver, basta saber dar voz a ela. É essa veia que leva o sangue do cérebro para o resto do corpo. Nossa garganta é a porta-voz do mundo e a vida de quem escolhe viver. É por isso que acredito na onipotência da palavra. Cada conjugação de sons nasce com a manutenção da vida e é levada ao resto do corpo; ao resto de fora, ao resto de dentro. A jugular externa e internaliza cada significado, cada verbo, cada poesia, cada pulsão pelo que merece ter significado. Nosso corpo foi estruturado para comunicar-se. Até quem não possui a potência vocal, desenvolve mãos ávidas a dar voz às palavras. O que falta é as pessoas aprenderem a viver na comunicação. Sem máscaras, sabotagens, recalques. Não criar impedimentos na jugular, deixar o fluxo seguir livremente. Falar o que deve ser dito e quebrar o estigma do medo da resposta. Afinal, a pior das respostas a gente sempre sabe qual é, só não quer vê-la verbalizada. Não entendo esse medo do som de fora, se o som de dentro sempre existiu. Vamos falar, escrever, gesticular. Calar tantas palavras deve doer muito mais.

5 de maio de 2010

Gosto tanto de você, Leãozinho

Continuação da fase “de mal com as palavras”. Esse texto veio a calhar para não deixar um espaço em branco. Minha mãe quer palavras destinadas ao meu cachorro. Isso mesmo. Meu super fofo Yorkshire, mesmo sem entender um nada do que será pronunciado, receberá um texto em sua homenagem. Não sei por onde começar... Posso dizer que ele é quase gente? Que gosto mais dele do que de muitos semi-humanos com vestimenta de homo sapiens? Não sei se bastaria. Pelo menos à minha mãe. O nome dele é Billi. Odeio esse nome. Queria nomeá-lo Napoleão. Desde mais pequeno do que já é, manifestava um poder napoleônico - baixinho e abusado. Não precisou dominar grande parte da Europa para provar isso. Seu reino resume-se à minha casa e seu povo era meu Poodle. Fez o pobrezinho ter medo de pisar o chão por meses e, mesmo rejeitando qualquer investida, despertou no Tobi uma paixão platônica digna de novela. Até os últimos dias de sua vida, Tobi sofreu por esse amor e não conseguiu nada além de mordidinhas aleatórias e algumas cafungadas. É importante frisar que não sou responsável pelos nomes dos bichanos! Ele é muito inteligente. Pelo menos, nós achamos. Reconhece os brinquedos pelo nome. Sabe onde estão. Vai pegá-los e traz na nossa mão. Não sai quando a porta está aberta e não faz xixi fora do lugar. Ele tem implicância com alimentos picados em tamanhos grandes. Separa tudo da tigela e não come, para mostrar que não gosta assim. Também não podemos misturar a ração com outras coisas (frango, carne, cenoura etc). Nos dias de sol, estende seu lindo corpinho na varanda e banha-se com as vitaminas benéficas ao seu belo pêlo. Sente-se incomodado com barulho e pessoas que falam alto, mas está sempre por perto quando há uma boa conversa, presta atenção como se entendesse cada palavra. Quando a vó dele (minha mãe) sai de casa, aguarda na porta o seu retorno. Sofre a cada campainha ou barulho de chave que não resulta nela. É educado e fala com todos que chegam. Pela manhã, beija quem desperta. Mas não suporta acordar cedo. Meu cão tem uma certa ética animal. Em casa, no seu território, é uma lady. Incapaz de levantar a voz ou mostrar dentes. Já na rua... Um outro lado da sua personalidade canina vem à tona. Sua aparência parece atrair tudo aquilo que mais odeia: Poodles histéricos-machos-afeminados e cachorros grandes! Não há preferência por raças, cor e pêlos. Quanto maior, melhor. Quanto mais afetado pelo homem, melhor. Por outro lado, é incapaz de atacar uma fêmea, um cão idoso e filhotes, mesmo dentro dos padrões relacionados anteriormente. É no mínimo curioso analisar seu comportamento. Como pode um animal desenvolver seu próprio senso de ética e distinguir as características que serão passíveis do seu instinto? Se dizem que a violência é um instinto animal - o que é duvidoso -, meu cachorro merece o devido reconhecimento por aprender instintos humanos valorados pela sociedade! Até porque tem muito ser andante que não aprende de jeito nenhum! Isso tudo vale como inteligência? Não sei muito bem, mas eu gostaria de ter um homem assim! OBS: Eu iria colocar uma foto do Caetano, mas prefiro a irmã dele! E parece que, nesta foto, ela está lendo o fantástico Fernando Pessoa. Foi mal Caetano, mas foi inevitável a substituição!

30 de abril de 2010

Ímpar

Era uma vez um grupo. Um grupo de três. Não era um trio, era um grupo de três. Sei que não há diferença de significado, mas, por algum motivo, a palavra grupo me passa uma ideia de escolha. Você escolhe estar em um grupo. E eles se escolheram para fazer parte deste. Não sou muito crédula do destino, mas às vezes ele mostra-se tão evidente que dá até para acreditar no que costumo desacreditar. Não há como não pensar em pré-destinação quando penso neste grupo de três. Três mentes brilhantes, três bons homens, três amigos. É engraçado como as melhores pessoas aparecem tão de repente e em situações tão pitorescas que pensamos estar sonhando. Mas é real. Pelo menos, eu quero acreditar nessa realidade. Também não sou lá muito crédula da tranquilidade eterna. É muito bom cometer erros, quebrar a cara, perder-se e afundar-se para depois relembrar de tudo e soltar aquela leve risada de quem conseguiu andar para frente. Um grupo de três deve rir muito e sempre junto. Quando forma-se um grupo de três como este, as risadas devem ser, no mínimo, fomentadoras de mais atos brilhantes. Eu espero ainda rir muito com o grupo de três. Minha irmã não gosta de números ímpares. Eu, por pura osmose, passei a ter uma certa implicância com eles também. São estranhos, não se dividem pela metade. Com o grupo de três, eu entendi qual é a graça do ímpar. Ele não se divide porque não precisa. É como se fosse formado por indivíduos que não necessitam de par para completar-se. São seres independentes. E é por isso que eu gosto desse grupo de três. Eles não estão juntos para dividir e sim para estarem. O grupo de três tem um poder absoluto. Poder de querer, perseguir e fazer. Não apenas olham, observam. Não apenas escrevem, declamam. Não apenas contestam, refazem. Não apenas pensam, executam. Não apenas existem, reafirmam-se. Não apenas destacam-se, fazem o que falta. Não apenas existem, vivem o mundo. E é por isso que eu quero ver esse grupo de três acontecer. Fazer parte de um grupo de três não é fácil. Mas nenhum é. Principalmente os ímpares, pois é a liberdade que os une. Mas talvez este grupo de três tenha alma de par e sinta que um é a metade errante do outro que vai dar certo. Assim eu espero.

29 de abril de 2010

Lição para quando seus ouvidos não bastarem

Como deixei claro na última postagem, estou tendo problemas com as palavras. Portanto, resolvi deixar os devaneios em um patamar bem longe de mim, pelo menos no momento que não sei até quando dura. Vou relatar uma experiência super-hiper-mega-extra-intra-corpórea que tive. Estava eu, muito entediada, devorando o meu ócio com calda de televisão e ouvindo música pelo celular. Tudo ao mesmo tempo e sem a menor capacidade para entreter-me. De repente, teve início a música da minha vida. Sabe aquela melodia que arrepia a sua flor da pele e uma letra capaz de dar nomes ao obscuro? Então, foi essa. Invadiu-me certa necessidade e incapacidade de absorver tudo o que aquela música tinha a proporcionar. Meus ouvidos não davam mais conta, pareciam dois meros espectadores estáticos no show de rock da sua banda favorita! Eu precisava de mais. Desliguei a TV, permaneci em um movimento típico que faço com o corpo quando estou pensando: uma cadeira de balanço só com o tronco. É muito bom, relaxa e parece que estimula a oxigenação do cérebro – coisas da minha cabeça. Enfim, fui tentar descobrir uma maneira de sentir a música como almejava. Não sei por que, mas tive a brilhante(?) ideia de colocar a parte do celular de onde sai o som dentro da boca e fechá-la o quanto é possível. Descobri o paraíso. Não é brincadeira, senti cada nota, cada ruído de voz. A impressão que tive era como se a música invadisse meu corpo sem cerimônias para matar a saudade daquele amigo que não vê há tempos. A vibração saiu da boca e fez uma viagem interna. A música era “Wish you were here”, do Pink Floyd. Até a singela tosse do maravilhoso e idolatrado David Gilmour no início ganhou uma abrangência fantástica. Senti-me dentro de um contexto do qual não sei. E as boas lembranças voltaram em forma de avalanche sonora. Indescritível. Pode ser que mais ninguém que tente isso em casa consiga captar o que eu consegui, mas não ligo. Eu juro que não tomo drogas, nem nada alucinógeno. Quem me conhece sabe disso. Também não havia bebido. Não existem testemunhas. O máximo de companhia era meu cigarrinho velho de guerra, que estava enclausurado no maço de Free light. A única coisa que posso fazer é dar a marca do celular: Samsung Star TV. A partir de agora, sempre que puder, ouvirei com a minha boca!

28 de abril de 2010

Título mudo

As palavras estão me sabotando. As proferidas por mim e aquelas que adentram meus ouvidos. Sem saber por que e nem aonde, elas invadem-me sem questionar meu desejo. Cazuza disse-me, certa vez, que mentiras sinceras lhe interessavam... Balela! Eu quero é conviver com o cru. Às vezes, desconfio que estou viciada em verdade. Provavelmente, nem sei o que é isso ao certo e se é possível definir, mas sinto uma urgência em falar. Talvez esteja sofrendo de alguma síndrome da língua inquieta. Minha voz não me cala e não escuto mais o silêncio. Sinto ecos redundantes na minha cabeça, perseguindo outros ecos dentro de um labirinto. E este termina no lugar de algum lugar. Quanto mais falo, mais quero escutar e menos entendo. Por que diabos é tão complicado conseguir equilíbrio de mais de um? Preciso divorciar-me destas palavras que me prendem. Soltá-las para que vivam fora de mim. Deixá-las ao vento. Quem sabe assim elas desenvolvem algum significado, pois aqui dentro não passam de meras redundâncias. Cansei de vomitar ao papel e tentar tirar dali algo compreensível. Até mesmo estas expressadas agora, ao relê-las não verei nada além de um aglomerado de consoantes e vogais tentando um encontro milagroso. Andar na linha divisora do Rio São Francisco com o mar talvez funcione. Eu deveria ter fugido com Bowie para a Space Oddity. Utopias estão cansando... Quero o simples, o tédio, a mente em estado de inércia, o cru. Uhmmm deu vontade de comer japa!

23 de abril de 2010

Só não vale ralar as mãos. Dói mais!

Não tenho mais pressa. Meu relógio já parou há tempos e passei a seguir com um ritmo próprio, um movimento específico de andar. A leveza dos passos de agora é fomentada pela ausência de pedras. Não carrego mais as que tropeço. Deixo-as por lá e levo comigo apenas o caminho. O chão para ligar meus pés ao que vem pela frente. Pedras são peso morto. Sem vida e sobrevida. Quem as carrega fica preso ao passado, anda lento no presente e chega cansado no futuro. Por isso eu gosto do chão. Mesmo já amando rodas, determinei o abandono àquelas. Houve ode à minha magrela; hoje uso pernas sem acessórios. Apenas uma energia corpórea. Há quem goste de transportar o que passou junto ao que está passando. Eu prefiro o uso da memória seletiva. Sim, existe uma! Eu tenho. Comprei em uma promoção e parcelei pelo resto da vida. Quando preciso recorrer a ela, olho para os joelhos e encaro as marcas de cada tropeço. O que importa de cada pedra está lá. O corpo traz os indicativos das resultantes de cada ação; a lembrança da dor, do sangue, da casquinha e da marca que te acompanhará. Não preciso carregar pedras. Meu corpo fala comigo e eu aprendi a ouvi-lo. É tão simples... Quando ouvir não basta e andar parece percorrer círculos, eu escrevo. Todos os sons e estradas que me guiariam ganham forma no papel. Mãos guiadas pelo inconsciente também levam ao longe, mas em uma velocidade mais relativa. Linhas por hora, palavras por minuto... Não sei ao certo. Também não tenho velocímetro. Perdeu-se com o relógio e com qualquer capacidade de medir as coisas. Certo e não-certo, amor e não-amor, coragem e não-coragem, medo e não-medo. Nem os antônimos das palavras eu atrevo-me a medir. Talvez seja mais coerente prefixar o não e deixar meu joelho evidenciar o resto. Acho injusto com as palavras supor que não signifiquem apenas uma coisa. Deixe que o não assuma as possibilidades de cada um. Pedras, caminho, memória seletiva, joelho, machucado no joelho e nãos. Na próxima vez, eu vou tentar alinhar a circunferência e andar. Meu inconsciente está rodando muito, estou tonta e sem entender bulufas. Vou sair para ralar joelhos.