27 de setembro de 2011

Ventrículos, átrios e amor


O poeta acordou meus sonhos. Com uma rima simples e versos sem estrutura ordenou-me escrever palavras de amor. Amor piegas, amor romântico, amor de amantes. E muito coração. Não o real, mas aquele simétrico, desenhado por traços curvilíneos e que se encontram nas extremidades; unidos e separados. Meu ventrículo esquerdo logo se contrai, levando sangue oxigenado e limpo ao restante do corpo. Essa é sua função. Levar o purificado ao que precisa. Ele faz isso por amor? Por amor a mim? Por amor ao outro? Existe amor na necessidade de quem precisa? O músculo pulsante sente algo que não seja apenas urgência em pulsar? O amor não vive ali, ele apenas faz de suas células morada, assim como em todas no corpo de quem ama alguém e no de quem não ama ninguém. O sentimento vive na integridade e limitar sua existência a um só órgão é menosprezar sua força. Força de pulsar a cada pedaço de pele atingido pela pele oposta. Força de pulsar a cada singelo som violentador dos ouvidos. Força de pulsar nos aromas provocadores da imaginação. Força de pulsar a cada vista interpretada pelos olhos. Tudo é subjetivo e faz seu significado vivendo nas células. O amor transforma os sentidos em marionetes manipulados por mãos tentando um comum, um movimento de prazer às quatro. O ventrículo direito pulsa, enquanto o outro se prepara para o próximo trabalho. Ele precisa, não ama. As células estão agitadas. O coração acelera sua função. Meu amor chegou.

19 de setembro de 2011

Descamação

Mais uma pele se foi. Secou para o nascer da próxima. Mais uma de muitas que se despediram da vida sem mais sentido. Outra surge para o seu lugar ocupar. Proteção nova para a carne usada. Os músculos pensam aguentar a regurgitação. Colocam para fora pedaços soltos do que um dia foi parte sua. O preparo para cada centímetro novo esbarra na dificuldade do desprendimento. Deixar ir o que não lhe cabe mais. O novo empurra, expulsa com sua energia. Contrações de renascimento. O corpo sabe o melhor para si, mas enfrenta o duelo impossível de fim entre pensar e sentir. Pensamos ser o que queremos sentir e acabamos sentindo o que não podemos ser. Duelo de polaridades iguais que jamais completas serão. Apenas forças opostas, que caem por igual quando o cansaço domina o corpo. Corpo exausto, pele em ruínas. O fim não existe. E o recomeço não é complacente com quem abusa da estrutura que lhe mantém. Material perecível, porém resistente às angústias humanas. Para reerguer-se é só deixar a nova nascer. Arranque pelas pontas libertas e deixe-as cair pelo chão. Chore pela ardência da carne viva, não pela morta. Deixe que essa vire adubo. Quem sabe uma margarida não nasça... Coisas belas podem surgir de algo adoecido, mas a cura vem de curar-se. Reflexão do verbo. Flexão da vontade. Vontade de ação.Reação.

10 de setembro de 2011

Tim Tim


Flutuo sobre espinhos
Passo dedos sobre pontas
Arranho alma nas pétalas
Busco suavidade
Encontro-me no grosso
No vulgar
No áspero do pertencer
O calmo está distante
Adormeceu no colo
Sobre as coxas
Sob os olhos de quem não dorme
Toco
Tento sentir o sopro
A nuca ainda arrepiada
Despede-se da mão
O ar fica
Segue a pele
Eu fujo
De volta ao espaço
Volta ao buraco
Não há lugar seguro
O caos me bebe
Roubaram minha cereja

9 de setembro de 2011

Branco



Sinto um corte abrir a pele. Com carinho, ele adentra o corpo que não lhe pertence. Bebe meu sangue e diverte-se procurando fantasmas sob a dor de outro. O olhar de medo de enxergar-se frágil transforma fraqueza em expansão da dor. Cabe em mim. Vem a mim. Sobrepõe-se ao que restar de mim. Seu alívio pensa ganhar suavidade e vida na alma calma que não é sua. É minha. Ou era. Quando existir era ser.

Restou pouco. Da pouca certeza presente, o pavor de fechar o corte arde na incerteza. Dor. Dor na pele. Eu até que gosto. Como saber sobre vida se flertar com o escuro faz você acender a luz? Escuro assusta. Não pela falta de visão, mas por trazer as evitadas. Fugimos dela, escondemos corpo, pedaços dele, partes soltas e juntas. Desconstruímos palavras e destruímos quem as pronuncia.

A pele rasgada não fecha. A mão que aqui estava não terminou com o que se propôs a fazer. Ainda há pulso e o pulso pulsa em doer. Arde sem fim determinado. Um copo vazio ainda transborda seu álcool na carne. Limpa e mata para as margaridas nascerem puras. Pureza artificial e programada para fazer feliz. O branco ilumina as cores antes camufladas. Consigo finalmente ver tons. O vermelho era vivo, vivo como a vida que fugia de mim. Ou tentava. Não foi. Seguro com forças. Assim, no plural. Forças de membros. Membros meus. Unidos por mim.

O vermelho se vai, sem que eu apreciasse a totalidade de sua cor. O que o trouxe também não sentiu seu tom. Escorreu da minha pele para perto. Sempre perto. Perto porque quero. Perto porque longe dói.