29 de dezembro de 2011

Uma gota me fala


Sinto falta do cheiro. Do gosto. Os movimentos sincronizados da nossa sintonia fazem da minha vontade a força que move. Jogada entre pensamentos perdidos, encontro entendimento no corpo ausente. O corpo que quero. Perto. Dentro. Parte. A sensação de quase morte lateja querendo vida. Fujo pelo meio das lágrimas para confundir fluidos. Disfarçar a necessidade de pertencer ao que elejo meu. Escolho-te para me chamar de sua. Faça-me sua. Combinemos aromas para trazer cheiro à arte de curvas assimétricas e sobreviventes. Eu preciso. Sentir vida é além da vida. Escorra a sua pelas costas minhas e deixe aqui sua marca, seu descontrole. Vou fechar os olhos para ver melhor. Enquanto busco força para continuar, a imagem permanece a mesma. 

28 de dezembro de 2011

Imobilidade temporária


Enrolo dedos para medir minhas palavras
A distância delas deixou seu rastro
Resto de desuso 
Não escrever palavras faz delas inábeis
Sem destino certo
Perdidas entre vírgulas
Buscando significados
Esqueci a quê vim
Lembro das linhas
Diversas, múltiplas, difusas
Letras perdem-se em frases
Sem palavras não há
Os dedos cruzam-se buscando a primeira
Recomeçar traz a lembrança do que foi
E rio
Rio de mim
Rio para mim e por quem basta
Não sobra mais
Ensaio o samba torto de quem não samba
E escrevo 
Estranho reencontrar-te
Palavra
Te respiro como antes
Aspiro seu som 
Sem ritmo, sem rima
Deixo isso às acompanhadas por melodia
Palavra que sai de mim
Volta
Leio
Vejo linhas sob
Invento um sentido novo
Não para mim
Eu apenas leio
E escrevo
Entender é o futuro próximo
Pode doer
Dói
Mas eu vou voltar
Prometo
Dou minha palavra
Ou palavras
Elas são o que tenho
Tateio as letras sentindo cada sentido
E volto
Minha fome

31 de outubro de 2011

Prontos para abrir

Asas à imaginação e vida aos sonhos. Assumo meu compromisso com a vida e assino meu nome na areia. A água vem e apaga. Assino de novo e quantas vezes mais forem necessárias. Sonhos nascem e renascem e transformam-se em outros. Multiplicam-se para quem os faz valer a pena. Realize um e você terá direito a mais três. Sem mágica e com muita realidade. Não há nada mais real do que sonhar. Elevar a vida a um patamar onde não nos deixamos controlar pelo que foge das mãos. Uso a mente para querer e as mãos para escrever sobre o que ainda não sei querer. O que quero vira sonho. Sonho de um, sonho de dois, sonho de dois que querem ser um. Sonho junto. Sonho conjugado. Ao lado. Perto. Sonho para ser vivido e não deixado. Sonho de verdade vive acordado.

9 de outubro de 2011

Não digo ponto

Busco conforto nas palavras imagináveis. Elas me dizem um mundo melhor, vida calma. Fazem aparecer o caos e o silenciam em seguida. Olho ao redor do meu corpo e nada parece contemplar o sentimento de não estar aqui. Quero diferente. Tirar as correntes que me prendem ao que passou e passar a acreditar que o presente é diferente. O que separa o diferente do novo é o apego. Pego o que preciso para continuar e preciso deixar visões cegarem-se. Comerem-se. Devorarem-se. Matarem-se. Não interfiro na dor que surge. Ajo inconscientemente. Não atravesso portas e não olho no espelho, pois o reflexo delas também fere. Invento uma palavra nova por diversão. Seus significados e sinônimos impedem que o oposto fale. Somente o bom se pronuncia. A palavra é minha e seu som é música para meus ouvidos. Desenho seu formato com a pouca habilidade que tenho para isso. Ângulos e assimetrias. Sem mais linhas e pontos. Seus cortes e furos não geram melodia. Halo de tristeza. E eu quero é estender os lábios. Aos lados. Lados secos. O suor é o único a transpor a pele. Minha palavra quer viver. Sair de dentro e entrar para fora da mente. Existência real pode ser melhor do que repetir-se aqui. Ganhar antônimos é saudável à sobrevida. Fugir do espaço não o faz desaparecer. Ele me acompanha e seus pesadelos acompanham meus sonhos, acordados ou não. A palavra é pronunciada e seu efeito perde força. Sua potência era interna. A realidade não a merece, não a que construí, não a que permiti. Desvio do que está vindo. Vou destruir sua estrutura e me encaixar nos ângulos que confio. A palavra sorri. Sabe que ali cabe. Mas ângulos surgem de linhas, não adianta fechar os olhos. Ali estão e aqui vão permanecer. Canso. Ela cansa. A força das duas repensa se vale a pena. Eu continuo. Minha palavra se mata com um ponto.

27 de setembro de 2011

Ventrículos, átrios e amor


O poeta acordou meus sonhos. Com uma rima simples e versos sem estrutura ordenou-me escrever palavras de amor. Amor piegas, amor romântico, amor de amantes. E muito coração. Não o real, mas aquele simétrico, desenhado por traços curvilíneos e que se encontram nas extremidades; unidos e separados. Meu ventrículo esquerdo logo se contrai, levando sangue oxigenado e limpo ao restante do corpo. Essa é sua função. Levar o purificado ao que precisa. Ele faz isso por amor? Por amor a mim? Por amor ao outro? Existe amor na necessidade de quem precisa? O músculo pulsante sente algo que não seja apenas urgência em pulsar? O amor não vive ali, ele apenas faz de suas células morada, assim como em todas no corpo de quem ama alguém e no de quem não ama ninguém. O sentimento vive na integridade e limitar sua existência a um só órgão é menosprezar sua força. Força de pulsar a cada pedaço de pele atingido pela pele oposta. Força de pulsar a cada singelo som violentador dos ouvidos. Força de pulsar nos aromas provocadores da imaginação. Força de pulsar a cada vista interpretada pelos olhos. Tudo é subjetivo e faz seu significado vivendo nas células. O amor transforma os sentidos em marionetes manipulados por mãos tentando um comum, um movimento de prazer às quatro. O ventrículo direito pulsa, enquanto o outro se prepara para o próximo trabalho. Ele precisa, não ama. As células estão agitadas. O coração acelera sua função. Meu amor chegou.

19 de setembro de 2011

Descamação

Mais uma pele se foi. Secou para o nascer da próxima. Mais uma de muitas que se despediram da vida sem mais sentido. Outra surge para o seu lugar ocupar. Proteção nova para a carne usada. Os músculos pensam aguentar a regurgitação. Colocam para fora pedaços soltos do que um dia foi parte sua. O preparo para cada centímetro novo esbarra na dificuldade do desprendimento. Deixar ir o que não lhe cabe mais. O novo empurra, expulsa com sua energia. Contrações de renascimento. O corpo sabe o melhor para si, mas enfrenta o duelo impossível de fim entre pensar e sentir. Pensamos ser o que queremos sentir e acabamos sentindo o que não podemos ser. Duelo de polaridades iguais que jamais completas serão. Apenas forças opostas, que caem por igual quando o cansaço domina o corpo. Corpo exausto, pele em ruínas. O fim não existe. E o recomeço não é complacente com quem abusa da estrutura que lhe mantém. Material perecível, porém resistente às angústias humanas. Para reerguer-se é só deixar a nova nascer. Arranque pelas pontas libertas e deixe-as cair pelo chão. Chore pela ardência da carne viva, não pela morta. Deixe que essa vire adubo. Quem sabe uma margarida não nasça... Coisas belas podem surgir de algo adoecido, mas a cura vem de curar-se. Reflexão do verbo. Flexão da vontade. Vontade de ação.Reação.

10 de setembro de 2011

Tim Tim


Flutuo sobre espinhos
Passo dedos sobre pontas
Arranho alma nas pétalas
Busco suavidade
Encontro-me no grosso
No vulgar
No áspero do pertencer
O calmo está distante
Adormeceu no colo
Sobre as coxas
Sob os olhos de quem não dorme
Toco
Tento sentir o sopro
A nuca ainda arrepiada
Despede-se da mão
O ar fica
Segue a pele
Eu fujo
De volta ao espaço
Volta ao buraco
Não há lugar seguro
O caos me bebe
Roubaram minha cereja

9 de setembro de 2011

Branco



Sinto um corte abrir a pele. Com carinho, ele adentra o corpo que não lhe pertence. Bebe meu sangue e diverte-se procurando fantasmas sob a dor de outro. O olhar de medo de enxergar-se frágil transforma fraqueza em expansão da dor. Cabe em mim. Vem a mim. Sobrepõe-se ao que restar de mim. Seu alívio pensa ganhar suavidade e vida na alma calma que não é sua. É minha. Ou era. Quando existir era ser.

Restou pouco. Da pouca certeza presente, o pavor de fechar o corte arde na incerteza. Dor. Dor na pele. Eu até que gosto. Como saber sobre vida se flertar com o escuro faz você acender a luz? Escuro assusta. Não pela falta de visão, mas por trazer as evitadas. Fugimos dela, escondemos corpo, pedaços dele, partes soltas e juntas. Desconstruímos palavras e destruímos quem as pronuncia.

A pele rasgada não fecha. A mão que aqui estava não terminou com o que se propôs a fazer. Ainda há pulso e o pulso pulsa em doer. Arde sem fim determinado. Um copo vazio ainda transborda seu álcool na carne. Limpa e mata para as margaridas nascerem puras. Pureza artificial e programada para fazer feliz. O branco ilumina as cores antes camufladas. Consigo finalmente ver tons. O vermelho era vivo, vivo como a vida que fugia de mim. Ou tentava. Não foi. Seguro com forças. Assim, no plural. Forças de membros. Membros meus. Unidos por mim.

O vermelho se vai, sem que eu apreciasse a totalidade de sua cor. O que o trouxe também não sentiu seu tom. Escorreu da minha pele para perto. Sempre perto. Perto porque quero. Perto porque longe dói.

7 de agosto de 2011

A real acordou meu sonho



Amanhã eu acordo
Sonhos intocáveis acalentam meu sono
Interromper parece cruel
Alimentar sufoca o real
Enxergo o que aparece
Sou incapaz de mudar a visão
Os olhos cansados fecham-se
Buscam tranquilidade
Silenciam ruídos
Inventam novos sons
Sonhos com sinfonia própria
Musica de ninar
Cantam à mente
São sentidas em cada pele
Levo para a sua
Um pedaço da minha
Sonha comigo?
Acorda comigo?
Não
Fecharemos os olhos juntos
O real não nos merece
Meu sonho suporta dois
Sonho de um
Posso acordar só
Só para mim
Conjugo-me por coerência
Acordo.

31 de julho de 2011

Contagem progressiva


Força. Gravei na pele. Proteção. Gravei na pele. Ação. Trabalho na alma. A prática da teoria funciona nas minhas palavras, a cada impacto dos dedos que aprenderam a expressar-se sem papel. Persigo respostas para perguntas que, verbalizadas, assustam. Amedronto-me com as expressões do meu rosto, acentuadas pelo medo de perdê-las. A intensidade dos fatos têm suas intensidades potencializadas. As sobrancelhas buscam-se e a realidade diverte-se no limbo, esperando um espaço para voltar à existência. Busco calma nos outros, enquanto a minha preocupa-se... Pré-ocupação, ocupação antecipada, preparação para o que vem. Tantas palavras com ação. Ação real e imaginativa. Cansa. Uma ressaca cairia bem. Cuidar da dor que passa com água e dipirona, enquanto as ações encontram conforto no segundo plano. Talvez o vômito lavasse algumas delas e as transformasse nas bonecas que eu destroçava quando pequena. Cortava cabelos, rasgava panos e descobria espumas, preenchimento que não me agradava. Fazia isso com todas, sempre à espera de algo mais interessante. Por isso, sempre achei mais interessante aventurar-me no que ralava joelhos, mãos e o que mais fosse tocado pelo chão. Ação. Eu já fui amiga dela. A menina divertia-se com ela, chorava por ela, sofria com ela. Não sei quando isso acabou. A altura do corpo trouxe o encolhimento da ação e joelhos mais limpos. Mas eu quero a sujeira. Sujeira da ação. Marcas da ação. E paz.

Amém

Crer no que posso
Vai além do que vejo
Foge do alcance das palavras
Perde-se dentro de mim
A verdade está perto
Dorme por debaixo do corpo
Acorda sufocada por ele
Reza por clemência
Reza por mim
Sua resistência é parcial
Cai pelos cantos
Busca conforto nos ângulos
Sente solidão
Procura companhia da mentira
Volta para mim
Aqui é quente
Ninho aberto ao sol
As crianças não crescem
Prendem-se ao pensamento
Brincam com peças de vida
Jogo de mim
Torre contra cavalo
Os peões já morreram
Cavalo vence
Faz curva com as palavras
Cheque na Rainha

1 de julho de 2011

Para quem vai e muita para quem fica


Quem disser que diz adeus sem dor não diz nada. A porta que bateu ainda faz vento nos cabelos. Embaraçam fios e arranham o rosto. Mergulham na água salgada para aliviar, mas esta apenas traz de dentro o que transborda. Fico buscando a saída mais fácil para despedir-me de quem não quero. Não consigo. Deixar não é melhor do que permanecer, não à parte de mim que apenas sente. Sinto como se um pedaço de vida tivesse sido vivida ali, nas escadas e elevadores transitórios, encontrando vidas e as separando da morte. Só assim aprendi a seguir, sem ter que desviar o olhar. Mirar o que te amedronta alinha os centros e tudo passa a andar na mesma energia. Não importa em que altura da trajetória estamos, o que motiva os extremos pode ser o mesmo.

As contrações faciais não param. Pulsam por mais tempo. Tempo de produzir mais, sentir melhor. As horas oportunas não se encontraram no meu tempo. Não tentaram enxergar que a melhor hora de aparecer era depois, na hora em que eu pudesse... Doer menos. Como abrir outra porta se me aconchego no canto de cá? Acalanto meu espírito para o canto de lá. O pescoço ainda dói de olhar para ontem e ver o meu lugar deixar de ser. Agora, ele vai rumo ao novo. Remando com um só braço, enquanto o outro acena a quem fica. Começo a girar e perco o pouco controle que tenho sobre o rosto. A água me acorda. “Não, não é sonho. Você vai dessa para melhor em uma mesma vida. A oportunidade disse que assim seria”. Acato, mas não me agrado.

Reforço o fio que me ligava ao que construí. Espero que aguente os novos dias e resista à força do tempo e à falta de tempo. Solto a mão e saio. Um pedaço da minha alma ali ficou. Mas os que restaram estão mais unidos do que nunca. As contrações voltam. Quem disser que diz adeus sem dor não diz nada.

18 de junho de 2011

Quero, não nego. Volto quando puder.

Uma porta abriu-se. Vai doer fechar a que ficou. Ventos novos também embaraçam meus cabelos.

29 de maio de 2011

Gravidade particular

Vou agarrar minhas mãos à primeira corda
Balançar meu corpo em direção aos lados
Sem perder o centro do meio
Ficar tonta por dentro da segurança
Balanço sem sair do lugar
Vagando por cima de quem se segura nos meus pés
O peso não derruba a linha
Eu a escrevi à caneta
Sobre mais linhas de aço
Saio e caço com dedos treinados
Mirando alvos escondidos entre utopias perdidas
Cegas pelo sol
Alimentadas pela lua que não dorme
Acordaram sem enxergar
E deixaram-me ver por seus olhos
O terror da vista viu-se no espelho
Desistiu de sonhar
Sentiu o gosto de não existir
Cedeu às pedras e achou-se ali
Impedindo o concreto de ser real
Desejando voltar ao que não pode
Retrocessos alucinógenos que sonham com a lucidez
A pedra foi contra o vidro
O reflexo caiu ao chão
Procuro por outro
Largo a corda

27 de maio de 2011

Gramas, para que te quero?


Os fatos me puxam ao chão. A sequência deles desperta a vontade de desaparecer no ar ou, ao menos, voltar a ter a opção de segurar-me à vontade de fugir. Mas essa opção não existe mais, virou pó varrido para debaixo da consciência. Enxergar o fim das angústias no outro lado do muro não faz mais sentido à mente racionalizada que sorri para o próximo. O mau humor da manhã não mais mata e ganha suavidade ao longo das horas, por mais lentas que elas insistam em passar. A morte dos andares acima vem a mim em rostos suaves e expressões singelas. Nada pesado e nem tão pouco fácil. Seu peso perde para a insistência em ficar e é essa teimosia que carrego comigo. Teimosia de não ceder, de não voltar, de ficar, de ficar bem, de fazer a mais, mesmo que aos olhos do momento não pareça suficiente. Teimosia de não ceder à menina que quer sentar e implorar para que alguém faça por ela, mesmo isso sendo a opção confortável. Durmo no chão duro e o conforto vem sujo do pó varrido. Aos poucos, limpo os olhos e me enxergo. Crua, despida de desculpas e cheia de culpas. Tragam-me água benta para lavar o que está corroendo minhas mãos. As palavras estão saindo feridas, com sangue de outro. Sangue meu. Sua cicatrização nasce no papel, um aborto que mata o útero e vive o feto. O inverso da lógica amigo da salvação. Que as palavras venham. Abandonem o corpo que não as quer e ganhem os papéis. Devorem linhas e riam das borrachas. Os pedaços de mim que forem com elas estarão melhores do lado de fora.

20 de maio de 2011


Só por hoje, estou viva.
Só por hoje, sobrevivo ao que não suporto.
Só por hoje, te prometo amor.
Só por hoje, não vou mentir.
Só por hoje, não vou tropeçar.
Só por hoje, não vou ceder ao que me destrói.
Só por hoje, consigo.
Só por hoje, aquele machucado não dói.
Só por hoje, vou subir um degrau.
Só por hoje, darei abraços ao mundo.
Só por hoje, vou sentir o abraço de alguém.
Só por hoje, meus olhos vão chorar.
Só por hoje, eles não terão motivo.
Só por hoje, vou ler um livro.
Só por hoje, vou terminá-lo amanhã.
Só por hoje, eu vou escrever.
Só por hoje, vou escrever um livro.
Só por hoje, minhas palavras serão livres.
Só por hoje, elas me libertarão.
Só por hoje, vou fazer valer a pena.
Só por hoje, vou esquecer o que não vale.
Só por hoje, vou consertar o mundo.
Só por hoje, vou arrumar meu quarto.
Só por hoje, minhas promessas serão reais.
Só por hoje, eu não as farei mais.
Só por hoje, eu vou acertar.
Só por hoje, o erro resistirá à borracha.
Só por hoje, a borracha estará longe.
Só por hoje, não vou esquecer.
Só por hoje, vou acordar rindo.
Só por hoje, eu vou acreditar em você.
Só por hoje, vou te amar de novo.
Só por hoje, será para sempre.
Só por hoje, aceito sua boca.
Só por hoje, te dou a minha.
Só por hoje, eu sou sua.
Só por hoje, sou minha.
Só por hoje, não vou pensar no amanhã.
Mas só por hoje.

18 de maio de 2011

A ressaca é minha

Eu tinha medo de crescer. Lutava com forças e emoções para não sentir como gente grande. Abortava escolhas e interrompia ações. Voltava no tempo sem retroceder os anos, buscando sempre viver o dia de ontem que poderia ter sido vivido melhor. Não pensava no hoje e sim no que deixei de fazer. Uma vida voltada a reparar erros que eu não sabia que havia cometido, até o dia seguinte. Eram erros só para mim, que necessitava ficar presa a algo que não exigia quebrar barreiras e transpor muros. Mas isso não os fazia desaparecer. Com o passar do tempo, o tempo acumula-os até a sensação claustrofóbica de não caber no próprio corpo e ter a alma expelida por algum orifício. E torna-se cada vez mais difícil escapar desse percurso. O tempo age quando não evolui.
Fui até o meu limite. A pele rasgava por espaço e a respiração doía em cada célula viva. As que sobreviviam ao ar escasso desejavam a morte. Viver o que não pode ser revivido faz com que o corpo crie anticorpos ao novo e se envenene com a própria substância. Não sonhar com algo que não se tem fez do meu corpo uma carcaça dependente do que a mata, alimentando-se de si própria. No início, ainda era possível sentir certo prazer com isso, inventava uma lógica em que pensava ter controle. Manipulava o que vivi para não viver o que não sabia. Assim segui até esgotar a história e apenas restarem papéis amassados e linhas em branco. A caneta sempre esteve perto, mas a uma distância incalculável das minhas possibilidades. Os cotovelos criaram artrites que os impediam de esticar à frente, sob os olhos. Era preciso vencer a dor e, principalmente, criar coragem para lidar com o que viria depois. A dor nunca foi problema, mas o desconhecido sim.
Quando se dá o primeiro passo no escuro, seus olhos adaptam-se à intensidade de luz. Como subestimamos nosso corpo! Ele é tão sábio que preferimos não ouvi-lo. Nossa ignorância é nossa bênção e, ao invés de nos purificarmos através dela, engordamos com o pão e nos embebedamos com o vinho. Regurgitar o que não cabe é o início para começar a ingerir coisas boas. Mas não se engane, a ressaca não some.

29 de abril de 2011

Pelos andares


A morte apresenta-se a um andar acima. Eu, a vários metros do chão, observo a vida que entra e aqui deixa de existir. Outro dia, vi-me fechada em um espaço transitório com certa alma de idade semelhante à minha. Não sei o que esta fez ao mundo para merecer ir embora tão cedo e de forma tão sofrida, mas ela despedia-se dos que a amam. Com ou sem razão, estavam-lhe tirando. A tristeza de quem acompanhava sua trajetória doía naqueles que só estavam de passagem, como eu. Mas a dor mais latente era a da pessoa que iria deixar tudo isso. Enquanto nos aproximávamos do meu destino final, vi-me encarando a fragilidade que se é possível suportar, se é que algo ali era suportado. Como somos capazes de enfrentar situações que imaginamos cruéis antes de serem as nossas, mas enfrentamos. E com uma força jamais conhecida. Nosso corpo tem resistência divergente ao limite das emoções. Enquanto a vida nos parece impossível, ele resiste até a exaustão da alma. E, às vezes, discorda da vontade de viver e a abandona ao mundo, sem mais ligação com a vida daqui.

Olhar os ossos que sustentavam a pele sem carne me angustiava. A doença comia suas energias até absorver pedaços de pessoa. A fraqueza era nítida na maneira como seu leve corpo pesava sobre a cama. Eram quilos que sumiam ao olho nu. Apenas os enxergava quem conseguia sentir um pouco de sua dor. Apenas um pouco. Somente ela sabe pelo que passa. As marcas no lençol eram feitas pelo que restava de vontade de viver. O corpo já flutuava, perdido entre espaços sem sentido definido.
Dava para perceber que, apesar dos olhos fechados, aquela mulher mantinha milhares de pensamentos acordados e muito vivos. A proximidade da morte deve fazer com que vivamos uma vida inteira de novo. Lembranças, saudades, remorsos e vontades que não serão satisfeitas. Algumas coisas provavelmente doem mais, outras um pouco menos, mas não consigo conceber algo que não remeta à dor.
Saí do espaço transitório desejando um lugar seguro, com altas doses de conforto e redução da realidade. É irônico como conviver com a morte faz a gente pensar na vida. Mas eu não relembrava a que vivo. A expressão da alma com idade semelhante à minha não desocupava minha mente e aqui permanece até agora. Não sei se ela já partiu ou se seu corpo ainda a prende àquela expressão dos olhos fechados. Sua imagem ainda causa atordoamento a quem viveu alguns segundos ao seu lado. Espero que seu corpo tenha conseguido a forma do peso certo e que não mais carregue excessos que não lhe cabem. Eu sigo subindo escadas e elevadores, cruzando com almas antigas, mas nunca mais com alguma com idade semelhante à minha. Ela ficou marcada.