27 de março de 2011

O copo e seu meio

A liberdade é de quem? Você sente a sua ou sofre pela minha? Eu sinto a minha? Ou só peno pela sua? Afinal, o que significa a tão utópica liberdade? Para mim. Para os outros. Eu vou, fico e volto. Nem sempre quando quero, mas quando é possível. Quem me segue não visualiza o mínimo de milhares de escolhas embutidas em cada passo. Faço o meu melhor para que cada um seja o melhor que posso fazer. Dói. Até na inércia de ficar, o tropeço machuca o corpo imóvel. A minha liberdade é para causar o bem. Bem me quer, mal me quer. O bem quer e o mal também. O bem sorri para o passo; o mal goza sobre o joelho ralado. E os dois vivem aqui dentro, deliciam-se com as escolhas e regurgitam sobre os outros. A liberdade do outro é prisão aos olhos de quem não a escolhe. Você fica à deriva de um livre arbítrio que só liberta um. Mas isso é bom, certo? Eu liberto-me por mim, certo? Não sei se a liberdade suporta o pensamento no outro, mas ela suporta o meu... E ele é tão pesado, tão difuso, tão inconstante. E isso sem falar na loucura, na vontade de fugir e de ficar. Ficar não é sozinho, pelo menos o meu. Não mais. O ficar tem moradores, vizinhos e agregados. A liberdade empaca ali. No corredor cheio de portas e com pessoas dentro de cada cômodo. Eu escolho em qual entrar, mas, a partir daí, a liberdade é a mesma? Lá dentro não sou só eu. É um convívio forçado entre a liberdade de todos e a minha é só mais uma. Devo voltar ao corredor? Será melhor viver com todas as portas à sua frente, saboreando-se com a possibilidade de escolher qualquer uma, mas nunca concretizar uma? Não. Eu prefiro perder uma vida nesse jogo. Entrar, viver, errar, aprender e apreender. Quando a monotonia ocupar o espaço, abro outra porta e encaro o desgaste de novo. A minha liberdade é para errar, mas não para ignorar portas. Por mais que algumas passem por fora do meu campo visual, sei de sua existência e, às vezes, é melhor deixá-las fora mesmo. Longe das minhas possibilidades de escolha e escondidas da liberdade, pois sei que a minha liberdade pode sobrepor-se à capacidade de discernir o que é melhor para mim. Ela é abusada, mas eu sou mais.

11 de março de 2011

Alimento.

Eu tenho medo. Da morte da mãe, da falta de paz. Há anos, a luta para reerguer meu império de cristal vê seu esforço perdido entre partes soltas, com resistência ao espaço vazio e não mais unindo faces. Remendas insustentáveis mesclam-se à incapacidade de sustentar a alma. O medo de errar cresce e só é superado pelo medo de não conseguir enxergá-lo. Achar que se está certo pode ter o efeito devastador de não perceber o erro. Tenho medo do medo dos outros. E da coragem também, pois esta, quando nasce da pessoa errada, pode ferir a pessoa certa. A proteção construída por repetidas quedas não faz mais seu papel no consciente e lateja no escuro. Os muros caíram, restam apenas pedaços disfarçados entre os escombros e sujos de poeira. Não lembro quando o primeiro tijolo abandonou sua forma completa e ganhou vida só. Tenho medo do vazio que ele deixou. E sinto a falta de todos os outros que acompanharam sua trajetória. Preciso. A solidão na minha mente não se satisfaz com as presenças fora do corpo; prefere os ecos de seus próprios pensamentos. E se alimenta deles. Se exausta deles. Overdose antropofágica. Doença à saúde e beleza ao corpo. A loucura mental fez da beleza a peneira dos olhos com dedos entreabertos. A criança fecha quando incomoda, mas abre para alimentar a curiosidade. O monstro do filme não a alcança quando protegido os olhos estão. Minha criatura também não vai atacar. Está entorpecida por substâncias produzidas pelo organismo vivo em que habita. Sem alucinações, a onda vem a sangue frio e cortando a pele. A dor não sobrevive ao veneno e morre ao chegar onde se faz sentir. Mas ninguém vai ver. Também tenho medo do que sai por esses dedos. As palavras não possuem a liberdade censurada necessária. E tenho que as engolir sem lubrificante auricular e a sua luz cegando os olhos desavisados. Meus anticorpos não reagem a mim, apenas ao que vem de fora. O que nasce aqui é consumido até última gota e a minha língua trata-se de correr atrás dela. Nada parece fazer sentido e perder-se em meio às linhas e letras não surti o efeito desejado. É melhor parar. Prender a respiração por um tempo, enquanto o cérebro limpa a sujeira da droga humana. Vou acender um cigarro e alimentar o amarelo dos dedos. Esse medo é do bom.

3 de março de 2011

"In my place, in my place..."

Eu não sou dona de mim. Não pertenço ao lugar onde estou. E sim para o que vou. O poder sobre as pernas estende-se à vontade. A liberdade o une ao mínimo fio de sanidade. A fragilidade de sua força aguenta as curvas do meu corpo, mas não as minhas palavras. Eu não sou dona de mim. Não pertenço ao lugar onde estou. E sim para o que vou. O peso é falso e as ideias construídas continuam a sobrepor-se ao real e suportável. O sonho cresce a cada momento e confunde-se às imagens da menina que não sabia amar. Eu não sou dona de mim. Não pertenço ao lugar onde estou. E sim para o que vou. A lembrança de um passado cansado de si volta com vontade de desaparecer no ar, assumir forma mutável e passar a ser outra, de outra. Mas os pés seguem no chão e sentem tudo, com o calor do asfalto queimando as beiradas e fazendo do meio um ponto de insensibilidade. Eu não sou dona de mim. Não pertenço ao lugar onde estou. E sim para o que vou. O lugar a chegar é novo, mas traz as pegadas do último passo. Bom ou ruim, pesado ou leve, com ou sem certeza, ele vem. E quando se tornar realidade, deixarei de pertencer a ele e perseguirei o próximo, onde morará o que sobreviver a mim. Eu sou o lugar.