30 de abril de 2010

Ímpar

Era uma vez um grupo. Um grupo de três. Não era um trio, era um grupo de três. Sei que não há diferença de significado, mas, por algum motivo, a palavra grupo me passa uma ideia de escolha. Você escolhe estar em um grupo. E eles se escolheram para fazer parte deste. Não sou muito crédula do destino, mas às vezes ele mostra-se tão evidente que dá até para acreditar no que costumo desacreditar. Não há como não pensar em pré-destinação quando penso neste grupo de três. Três mentes brilhantes, três bons homens, três amigos. É engraçado como as melhores pessoas aparecem tão de repente e em situações tão pitorescas que pensamos estar sonhando. Mas é real. Pelo menos, eu quero acreditar nessa realidade. Também não sou lá muito crédula da tranquilidade eterna. É muito bom cometer erros, quebrar a cara, perder-se e afundar-se para depois relembrar de tudo e soltar aquela leve risada de quem conseguiu andar para frente. Um grupo de três deve rir muito e sempre junto. Quando forma-se um grupo de três como este, as risadas devem ser, no mínimo, fomentadoras de mais atos brilhantes. Eu espero ainda rir muito com o grupo de três. Minha irmã não gosta de números ímpares. Eu, por pura osmose, passei a ter uma certa implicância com eles também. São estranhos, não se dividem pela metade. Com o grupo de três, eu entendi qual é a graça do ímpar. Ele não se divide porque não precisa. É como se fosse formado por indivíduos que não necessitam de par para completar-se. São seres independentes. E é por isso que eu gosto desse grupo de três. Eles não estão juntos para dividir e sim para estarem. O grupo de três tem um poder absoluto. Poder de querer, perseguir e fazer. Não apenas olham, observam. Não apenas escrevem, declamam. Não apenas contestam, refazem. Não apenas pensam, executam. Não apenas existem, reafirmam-se. Não apenas destacam-se, fazem o que falta. Não apenas existem, vivem o mundo. E é por isso que eu quero ver esse grupo de três acontecer. Fazer parte de um grupo de três não é fácil. Mas nenhum é. Principalmente os ímpares, pois é a liberdade que os une. Mas talvez este grupo de três tenha alma de par e sinta que um é a metade errante do outro que vai dar certo. Assim eu espero.

29 de abril de 2010

Lição para quando seus ouvidos não bastarem

Como deixei claro na última postagem, estou tendo problemas com as palavras. Portanto, resolvi deixar os devaneios em um patamar bem longe de mim, pelo menos no momento que não sei até quando dura. Vou relatar uma experiência super-hiper-mega-extra-intra-corpórea que tive. Estava eu, muito entediada, devorando o meu ócio com calda de televisão e ouvindo música pelo celular. Tudo ao mesmo tempo e sem a menor capacidade para entreter-me. De repente, teve início a música da minha vida. Sabe aquela melodia que arrepia a sua flor da pele e uma letra capaz de dar nomes ao obscuro? Então, foi essa. Invadiu-me certa necessidade e incapacidade de absorver tudo o que aquela música tinha a proporcionar. Meus ouvidos não davam mais conta, pareciam dois meros espectadores estáticos no show de rock da sua banda favorita! Eu precisava de mais. Desliguei a TV, permaneci em um movimento típico que faço com o corpo quando estou pensando: uma cadeira de balanço só com o tronco. É muito bom, relaxa e parece que estimula a oxigenação do cérebro – coisas da minha cabeça. Enfim, fui tentar descobrir uma maneira de sentir a música como almejava. Não sei por que, mas tive a brilhante(?) ideia de colocar a parte do celular de onde sai o som dentro da boca e fechá-la o quanto é possível. Descobri o paraíso. Não é brincadeira, senti cada nota, cada ruído de voz. A impressão que tive era como se a música invadisse meu corpo sem cerimônias para matar a saudade daquele amigo que não vê há tempos. A vibração saiu da boca e fez uma viagem interna. A música era “Wish you were here”, do Pink Floyd. Até a singela tosse do maravilhoso e idolatrado David Gilmour no início ganhou uma abrangência fantástica. Senti-me dentro de um contexto do qual não sei. E as boas lembranças voltaram em forma de avalanche sonora. Indescritível. Pode ser que mais ninguém que tente isso em casa consiga captar o que eu consegui, mas não ligo. Eu juro que não tomo drogas, nem nada alucinógeno. Quem me conhece sabe disso. Também não havia bebido. Não existem testemunhas. O máximo de companhia era meu cigarrinho velho de guerra, que estava enclausurado no maço de Free light. A única coisa que posso fazer é dar a marca do celular: Samsung Star TV. A partir de agora, sempre que puder, ouvirei com a minha boca!

28 de abril de 2010

Título mudo

As palavras estão me sabotando. As proferidas por mim e aquelas que adentram meus ouvidos. Sem saber por que e nem aonde, elas invadem-me sem questionar meu desejo. Cazuza disse-me, certa vez, que mentiras sinceras lhe interessavam... Balela! Eu quero é conviver com o cru. Às vezes, desconfio que estou viciada em verdade. Provavelmente, nem sei o que é isso ao certo e se é possível definir, mas sinto uma urgência em falar. Talvez esteja sofrendo de alguma síndrome da língua inquieta. Minha voz não me cala e não escuto mais o silêncio. Sinto ecos redundantes na minha cabeça, perseguindo outros ecos dentro de um labirinto. E este termina no lugar de algum lugar. Quanto mais falo, mais quero escutar e menos entendo. Por que diabos é tão complicado conseguir equilíbrio de mais de um? Preciso divorciar-me destas palavras que me prendem. Soltá-las para que vivam fora de mim. Deixá-las ao vento. Quem sabe assim elas desenvolvem algum significado, pois aqui dentro não passam de meras redundâncias. Cansei de vomitar ao papel e tentar tirar dali algo compreensível. Até mesmo estas expressadas agora, ao relê-las não verei nada além de um aglomerado de consoantes e vogais tentando um encontro milagroso. Andar na linha divisora do Rio São Francisco com o mar talvez funcione. Eu deveria ter fugido com Bowie para a Space Oddity. Utopias estão cansando... Quero o simples, o tédio, a mente em estado de inércia, o cru. Uhmmm deu vontade de comer japa!

23 de abril de 2010

Só não vale ralar as mãos. Dói mais!

Não tenho mais pressa. Meu relógio já parou há tempos e passei a seguir com um ritmo próprio, um movimento específico de andar. A leveza dos passos de agora é fomentada pela ausência de pedras. Não carrego mais as que tropeço. Deixo-as por lá e levo comigo apenas o caminho. O chão para ligar meus pés ao que vem pela frente. Pedras são peso morto. Sem vida e sobrevida. Quem as carrega fica preso ao passado, anda lento no presente e chega cansado no futuro. Por isso eu gosto do chão. Mesmo já amando rodas, determinei o abandono àquelas. Houve ode à minha magrela; hoje uso pernas sem acessórios. Apenas uma energia corpórea. Há quem goste de transportar o que passou junto ao que está passando. Eu prefiro o uso da memória seletiva. Sim, existe uma! Eu tenho. Comprei em uma promoção e parcelei pelo resto da vida. Quando preciso recorrer a ela, olho para os joelhos e encaro as marcas de cada tropeço. O que importa de cada pedra está lá. O corpo traz os indicativos das resultantes de cada ação; a lembrança da dor, do sangue, da casquinha e da marca que te acompanhará. Não preciso carregar pedras. Meu corpo fala comigo e eu aprendi a ouvi-lo. É tão simples... Quando ouvir não basta e andar parece percorrer círculos, eu escrevo. Todos os sons e estradas que me guiariam ganham forma no papel. Mãos guiadas pelo inconsciente também levam ao longe, mas em uma velocidade mais relativa. Linhas por hora, palavras por minuto... Não sei ao certo. Também não tenho velocímetro. Perdeu-se com o relógio e com qualquer capacidade de medir as coisas. Certo e não-certo, amor e não-amor, coragem e não-coragem, medo e não-medo. Nem os antônimos das palavras eu atrevo-me a medir. Talvez seja mais coerente prefixar o não e deixar meu joelho evidenciar o resto. Acho injusto com as palavras supor que não signifiquem apenas uma coisa. Deixe que o não assuma as possibilidades de cada um. Pedras, caminho, memória seletiva, joelho, machucado no joelho e nãos. Na próxima vez, eu vou tentar alinhar a circunferência e andar. Meu inconsciente está rodando muito, estou tonta e sem entender bulufas. Vou sair para ralar joelhos.

22 de abril de 2010

Fio

Pode levar
Leve cada gota
Não vou ficar mais seca por causa delas
Estou migrando para novos mares
Novos mundos
Longe daquele que era C
ada centímetro de território vai ser substituído
Para não lembrar os que você pisou
Seus pés não me seguirão
É um caminho sem volta do qual não voltarei
Sim, não voltarei
Eu acho
Vou riscar minhas pegadas
Andar sem rastro
Talvez sem rumo
O que sobreviver será guardado
Em uma caixinha de música
Com uma bailarina dançando
Ela será a única a celebrar
Terei saudades de cada melodia
Daquelas que tocaram quando o silêncio imperava
Vou chorar e rir em seguida
Para calar qualquer dor abusada que surja
Aos poucos, minha visão perderá o seu ponto de vista
Seu cheiro virará lembrança
E darei bom dia ao novo
Minha memória será a única vilã
Não encontrei o primeiro passo para ela
Este será o seu legado
A linha tênue que me une ao que restar

19 de abril de 2010

Doce utopia

Quero unir o norte ao sul
Virar para dentro e desvirar
Expulsar tudo que não cabe
Convidar o que falta
Fazer do meu corpo um meio
Ouvidos autofalantes
Boca fechada
Olhos vendo penumbra
A alma visitaria outros lugares e voltaria para me contar Pensamentos virariam dias com fim
E sonhos o despertar
Dormiria por necessidade
Acordaria pela urgência
O calado gritaria meu nome
E minha surdez seria curada
A sensação da vida esquentaria como sol de inverno
Agradável, acolhedor
Não teria que pensar em poesia
Ou em música
Minha respiração já exalaria isso, natural
Saberia escrever
E usar os dedos para acarinhar cordas
Viveria para observar pessoas
Interessante até a exaustão
Não sofreria por isso
O almejado no outro não me faria mais falta
As saudades trariam o passado
Renovado, reciclado e absolutamente substituível
As lágrimas teriam gosto agridoce e de baixa caloria
A dor nada mais seria do que prazeres sadomasoquistas
Cada sorriso renderia uma gargalhada sincera de criança
Quem eu perdi seguraria minha mão pela última vez
Os erros banhar-se-iam em um oceano de segundas chances
E, por fim, eu viraria acerto
Como queria ser como minha pinta
Acompanho lentamente o seu desaparecer
O abandono da minha pele
Desvencilhando-se da minha existência
Doce inveja, doce utopia
Será que ela volta?

17 de abril de 2010

Bocejo

O cansaço estende-se. Não sinto mais as pernas, somente uma dor que percorre cada polegada do que ainda está vivo. A vontade de fechar os olhos e deixá-los repousar é quase imperadora, mas as milhares de imagens na minha cabeça os mantém atentos, vidrados nos movimentos, ações, palavras. Não consigo mais distinguir nada. Mãos me percorrem. Não são mais as mesmas, mas as antigas já não me satisfaziam. Quero fugir de todas as perguntas, encaminhá-las para vagar entre os becos dos quais não sei a saída. Pelo menos enquanto minhas pernas doem. Talvez uma analgésico punk-rock-pauleira ajude. Declarar palavrões a objetos não surtem mais efeito e não há energia para buscar respostas. Eu havia prometido às marcas do tempo que seria mais suave com elas. Mas começo a desconfiar dessas marcas. Parecem apenas rabiscos na pele, cicatrizes de infância que diminuíram, perderam cor e textura. Viraram um rascunho sem relevância e serventia para elaborar algo concreto. Vou dizer outro palavrão para ver se melhora. Tá foda. Surge uma trilha sonora para trazer aos ouvidos a sensação da perna. Arnaldo Antunes me perturba. Socorro, não estou sentindo nada Nem medo, nem calor, nem fogo Não vai dar mais pra chorar Nem pra rir Socorro, alguma alma, mesmo que penada Me empreste suas penas Já não sinto amor, nem dor Já não sinto nada Socorro, alguém me dê um coração Que esse já não bate nem apanha Por favor, uma emoção pequena Qualquer coisa Qualquer coisa que se sinta Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva Socorro, alguma rua que me dê sentido Em qualquer cruzamento Acostamento Encruzilhada Socorro, eu já não sinto nada Socorro, não estou sentindo nada Nem medo, nem calor, nem fogo Nem vontade de chorar Nem de rir Alguém aperta o stop, por favor. Preciso dormir! Ainda tenho botas para limpar.

15 de abril de 2010

E você, tem cheiro de quê?

Ontem fui pega pensando em essência. O que será que torna perceptível aos outros o que sou? Eu sou? Fui? Serei? Existe mais algum tempo verbal viável para esclarecer as possibilidades de existir? Algum pretérito que sirva, seja ele perfeito ou não. Do futuro ou não. A essência percebida por mim é a mesma declarada por quem pensa me conhecer? Impossível. Em um encontro de reflexos dos espelhos espalhados pelo meu quarto, provavelmente não há um ponto convergente, somente diversos pontos cegos. E são nestes que moram as minhas essências. Sim, devo ter várias e a que eu considero minha é apenas mais uma delas. Verdadeira apenas para mim. A subjetividade das verdades ganha visibilidade em cada encontro, cada tempo e espaço que possibilitam sua manifestação. Sou única, mas apenas para mim. E isso me basta. Provavelmente, não suportaria o peso, mesmo que inexistente, das essências construídas por quem passa e atropela meu caminho. Seriam toneladas de pura imaginação voltadas contra o mínimo de visão que eu conseguiria desenvolver. Essa visão cega eu não quero. Talvez seja mais saudável (?) conviver com apenas a percepção dos olhos próprios. Mesmo os meus sendo pequenos, veem o suficiente. Enxergam longe do limite imposto por mim. Quando for necessário, abro mão do que já sei e sigo por outra estrada, com outra cara, pele; outros cheiros, proporções e desproporções. A essência não será mais a mesma de alucinações atrás, mas continuará sendo minha. Outro ponto cego tornar-se-á minha lanterna interna. Ninguém terá acesso ao que for iluminado. Até porque, essa luz acende e ascende apenas para meus olhos e não para quem pensa tê-los. Há buracos negros que hão de continuar assim até que outra essência passe a fazer o mínimo de sentido. E assim segue. A luz ilumina até não iluminar mais. O que há há até deixar de haver. Minha pilha é recarregável e, mesmo sem o coelhinho da qualidade, vai suportar todas as alternâncias de luminosidade. Sejam bem-vindas as escuridões, sempre!

13 de abril de 2010

Aquele do bom

Há certo tempo atrás, em algum botequim à beira da praia, com muitas cervejas e mais dois amigos inspirados, veio à tona um assunto que muito me intrigou. Meu antigo companheiro de farras, hoje pai de família, confessou o seu fascínio pelo medo e este não saiu mais da minha cabeça. Não quero abordar aqui o medo comum. Medo de morrer, de ficar doente, de altura, de barata etc. Aliás, para quem tem problemas com este bichinho, recomendo “A paixão segundo G.H.”, da Clarice Lispector. Quero falar do medo bom, o que te puxa para frente, se você deixar. Sabe aquele medo antes de tomar uma decisão? De escolher um caminho? Então, é desse que eu gosto! E foi o que sempre me perseguiu. Ainda bem. Não sei se isso é sintoma de quem pensa demais. De mentes aflitas, inquietas e exaustivamente “no break”. Observo algumas pessoas tomando decisões tão facilmente e surge a dúvida: Eu tenho medo demais ou o outro que pensa de menos? Prefiro pensar que o outro não pensa! Até porque acredito no meu medo. Credito a ele uma responsabilidade sobre o presente e um preparo para o que está por vir. E onde entram os corajosos nessa história? Não tenho a mínima ideia. Para mim, a coragem é momentânea, decorrência de uma situação esporádica. Não um comportamento comum. Eu saltei de paraquedas; coragem de colocar o pezinho fora do avião. Não considero qualquer outra decisão do dia-a-dia como coragem e sim como fim do medo. Fim de um degrau e início do outro. Parece confuso e é. Talvez nem eu saiba sobre o que estou falando. Só sei que nada sei. Em meio às minhas loucuras sãs, encaro esse sentimento como inerente a qualquer decisão. Algumas surgem potencializadas por ele; outras nem tanto. E cá estou eu, com medo de colocar um texto para fora e ser mal ou nada interpretada. A verdade é que gosto do meu medo. Provavelmente, tudo que fiz de melhor, deu medo antes de ser concretizado. Um friozinho na espinha delicioso, mas só depois que passa. Talvez os usuários de drogas busquem essa sensação. A almejada “viagem” pode ser uma vivência dos medos sem recalques, sem o tormento, e não uma coragem de fazer tudo. É só o friozinho. O homem mais pop do mundo disse “O amor remove montanhas”. Acredito que é o medo de perder o amor. Vou acreditar no meu medo até me provarem o contrário. Se duas estradas surgirem à minha frente, seguirei pela que me der medo.

10 de abril de 2010

Ode ao papel

Não consigo compreender muito bem a paixão - ou seria devoção? - pelo computador. Ao retirar todos os benefícios e praticidades trazidos por ele à rotina laboral, acadêmica e comunicacional, só enxergo o assassinato do papel. Aos poucos, por pura praticidade, economia de tempo e pressão, estou rendendo-me a esse artifício e abandonando um pouco meu caderno. Parece que, atualmente, só existe quem está na rede. Precisei mudar-me para lá. Meu companheiro de insônias e tormentos permanece cada vez mais na estante, como um monumento em homenagem à nostalgia. Confesso, a transição da caneta para o teclado não é fácil. Sinto-me abrindo mão da ligação corpórea com as minhas palavras. Eu costumava abraçar cada folha que me recebia e hoje apenas encaro o resultado dos meus dedos em uma máquina, sem qualquer tipo de conexão. Quando se trata de computador, conexão é com a internet. Escrevo e transbordo meus pensamento a um robô. Cada letra mal-escrita, rasura e até possíveis erros faziam parte de quem eu era e como me sentia naquele momento. É delicioso deparar-se com algo escrito à flor da adolescência e rir do que povoava uma mente de 15 anos. O papel já meio amarelado, todo dobrado, com aqueles desenhos decorativos do ursinho Pooh, hoje dá lugar a raras folhas de papel reciclado e diversos arquivos “.doc“. O computador não deixa abertura a nenhum erro. Tudo é sinalizado por uma listrinha vermelha ou verde. Nem quando mais se precisa, nossos erros são relevados. Características de um passado são descartadas e surgem formatações, tipos, espaçamentos, tamanhos, cores, sublinhados etc. A palavra transforma-se em imagem facilmente modificável. As muitas linhas escritas passam a ser uma lauda. A dor manual, do movimento quase estático da caneta, hoje, recebe nome de tendinite. Além da angústia de expulsar o sentimento que nos atormenta, temos que fazer fisioterapia para curar a doença do corpo. Podem me chamar de nostálgica, contra a modernidade, antiquada ou qualquer outra nomenclatura, mas não desistirei do papel. Não vou virar as costas para o meu suporte facilmente destrutível por qualquer máquina que me garanta uma memória interminável. A catarse é mais completa com o papel e tudo de mais belo que já li teve início com uma mão aflita. Ode ao papel! Por ironia, esse texto foi digitado por duas mãos que só pensavam nas folhas do Pooh.

8 de abril de 2010

R.I.P.

Qualquer amante das palavras torna-se órfão desse amor ao tentar buscar meios para expressar o caos atual. Diversas explicações já foram dadas, mas nenhuma com força o suficiente para confortar os sobreviventes dessa dor. Minhas letras estão morrendo uma por uma, juntas com cada casa, cada família. A força da água leva contigo também os últimos fios de esperança e possibilidade de acreditar que daqui para frente será diferente. É quase impossível não pensar em política diante de uma situação como esta. Nosso (des)governante, Jorge Roberto Silveira, provavelmente gostaria de estar em sua humilde residência em Miami enquanto o mundo desaba sobre nós. É cruel dizer que cada povo tem o governo que merece, pois ninguém que passou por tanta desgraça foi merecedor. Eu, como apenas mais um voto, espero que o reinado desse crápula não perpetue por mais um mandato. Felizmente, existem diversos olhos abertos em Niterói que também sabem o quão elevado está o nível de corrupção aqui. E eles hão de aumentar. Além de permitir que quase toda casa viável para construção fosse vendida ao império das construtoras, este projeto malssucedido de governante vai continuar o seu vantajoso negócio de transformar a cidade em “metrópole número um em qualidade de vida”. Até agora, desfrutamos de um crescimento urbano de 70%, em apenas seis anos, com as mesmas ruas e o mesmo o sistema de esgoto há mais de 30 anos. A amizade com as empresas de construção é tanta, que elas até doaram uma boa quantia à sua última campanha eleitoral! Filantropia é que não é. Sem contar a maioria (cerca de 90%) dos vereadores, também beneficiada com parte desta tamanha generosidade. Com tanto dinheiro entrando assim, é muita sorte das famílias mais pobres. Só em 2009, o orçamento municipal para a construção dessas moradias foi de R$ 40 mil. É menos de 1/4 do valor de um dos milhares de apartamentos à venda, ainda na planta, em Icaraí. Niterói está caminhando para um buraco talvez sem volta e temos que trazer a responsabilidade para nós. As eleições estão aí! Dói na alma deparar-me com essa infinidade de coisas erradas. Nem ouso chamar de animal quem faz isso, pois seria extremamente injusto e ofensivo com meu lindo cachorrinho. Mas pessoas não são, gente muito menos, civilizados nem na unha do pé e humanos talvez na outra encarnação! Por fim, acho que vou pedir ao prefeito para levar todos os desabrigados para sua mansão em Miami. Ele com certeza arruma um jatinho para isso. OBS: Os números relatados neste texto foram obtidos a partir de uma entrevista que fiz com representantes do CCOB - Conselho Comunitário da Orla da Baía, em 2009.

7 de abril de 2010

“Batidas na porta da frente, é o tempo...”

Em dezembro de 2009, líderes mundiais reuniram-se em Copenhagen, na Dinamarca, para discutir as mudanças climáticas e acertar acordos para minimizar o impacto ambiental das atividades econômicas. Infelizmente, as principais mentes pensantes (?) da política, economia e ciência chegaram a poucos consensos sobre as atitudes a serem tomadas. Mais uma vez, os interesses sofreram inversões de prioridade. Enfim, mais do mesmo. Poucos meses após este encontro, uma resposta chega, a resposta do tempo. Invernos nunca antes tão rigorosos, verões que derreteram a nossa flor da pele, chuvas avassaladoras. Nossa terra tremeu e evidenciou sua força latente, imprevisível e anti-civilizatória. Uma ironia com sabor de urgência. O tempo, senhor da razão, surge agora como uma resposta sem direito à réplica. Cobrando com duros juros as ações que deveriam ter sido realizadas quando o tempo ainda havia. A lentidão e a burrice dos que nada fazem perderam a oportunidade de voltar atrás, de lidar com o atraso. Este tempo não tolera atraso e as segundas chances são privilégio de quem não brinca com ele. Fico pensando se o tempo que rege a vida de cada um é o mesmo de uma sociedade. Cada indivíduo lida e des-lida com seus atos. Mas como equilibrar uma infinidade de tempos em um só? Como nomear um representante para administrar os nossos tempos, sendo que eles não os mesmo? A resposta do tempo para as guerras, conflitos e destruições não possui uma ação homogênea de desencadeamento. Cada um vai lidar com seus tormentos de um jeito e a razão se diluirá em uma confusão de futuros. Não sei por que a música da Nana Caymmi veio-me à cabeça. “Resposta ao tempo” tem outro contexto, mas o título diz uma vida. Damos respostas e explicações a tudo que acontece, mas cadê a pergunta, o questionamento base de qualquer evolução? Duvido, sincera e dolorosamente, que ainda haja tempo para perguntas quando se trata do nosso sofrido e menosprezado planeta. Em algum momento, tarde ou muito tarde, elas terão que brotar. Façamos perguntas para podermos responder, não só ao tempo e à natureza, mas também à vida.

2 de abril de 2010

Louco é quem me diz ser normal

"Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia". Aproprio-me da célebre frase de William Shakespeare para reformulá-la: Há mais mistérios na loucura do que supõe a nossa vã sanidade. Arrisco-me em dizer isso baseada apenas em anos – e por que não dizer uma vida? – tentando localizar em algum local que se preste na minha mente um pouquinho de normalidade. Provavelmente, já fui taxada de louca em algum momento, seja por quem me conhece ou não. A verdade é que a loucura me persegue. Não, ela não vem em forma humana assustadora e sim como algo muito mais interessante do que o normal. Não quero pregar nada além da minha percepção de louca que sou. Não apoio insanidades, atos inconseqüentes ou qualquer comportamento do tipo, apesar de já ter compreendido alguns. Apenas considero a normalidade um tanto monótona; uma regra social controladora. Exagero? Pode ser, mas é o que observo ao sucumbir à minha mania incontrolável de observar pessoas. A maioria parece permanentemente fingir ser NORMAL! Dá um trabalho danado saber quem você é. E dá um maior ainda aceitar que você nunca vai saber! Tentar encontrar nomenclaturas e criar respostas equivocadas para o eterno questionamento: “Quem sou? De onde vim? Para onde vou?” só potencializa a neurose pelo normal e expõe o nosso total despreparo para o simples existir. Até porque, quem disse que somos um só? Eu sou um corpo com milhões de possibilidades aqui dentro. Cada uma com seu momento de manifestação. A grande questão está em saber administrar esse turbilhão de pessoas moradoras do mesmo corpo. Para não parecer muito infundada, citarei um exemplo: o grande poeta português, Fernando Pessoa. Essa figura, no mínimo genial, dava voz a todas as vozes existentes dentro dele. Criou nomes, datas de aniversário e escreveu livros e mais livros a partir dessas variadas personas, seus heterônimos. Loucura? Muitos podem achar que sim. Eu prefiro chamar de libertação corporal. Libertar-se da limitação física do um e partir para uma jornada muito mais interessante: vasculhar a sua mente. Essa caixola é muito mais desconhecida e intrigante do que se imagina. Para não dizer que não falei das flores, fui conversar com o Dr. Aurélio. Cá está sua resposta ao significado de normal: “adj. De acordo com a norma, com a regra; comum”. Como alguém pode ser assim? Ou melhor, qual é a graça de ser assim? Não há uma maneira não anuladora de ser assim e é por isso que eu gosto dos loucos! Poder entrar em contato com possibilidades, vontades, gostos, aptidões e mais tantas outras manifestações do que pode trazer boas sensações. Eu gosto de David Bowie, mas posso entreter-me ouvindo Cartola. Percorrer todas as estradas abertas à sua frente, sem achar que somente uma é certa. Olhos abertos e pernas resistentes para tudo isso! O louco é visto como louco porque não tem medo de tentar. Ele enxerga as amarras e brinca de pular corda com elas. Ser louco não é perder a razão, é, justamente, saber usá-la em seu benefício. Todos se desdobram para conseguir ser um só, mais seria bem mais fácil deixar essa unidade para lá e divertir-se com o múltiplo. Enquanto o normal for o foco de uma sociedade, viveremos enjaulados em nós e distantes de qualquer sinal de equilíbrio. O padrão não existe. O normal não existe. Somos seres sem par e sem qualquer referência. O “lugar comum” não há. O que há é o que há. Ser louco não é desistir de si, é aceitar a amplitude desse si. Desista sim, mas da normalidade. Ser louco é muito mais interessante!