30 de maio de 2010

Palavras apenas... Palavras pequenas... Palavras, momento.


Abro mão dos pés. E das pernas. E da face. E de tudo aquilo que não preciso quando te tenho nas mãos. Há quem se contente apenas com o prazer corpóreo. Eu prefiro ir fundo. Vou dentro das palavras. É com elas que o ápice da alma torna-se alcançável. Por elas, eu escalo a mais alta das montanhas verbais. O suor é doce, os músculos resistentes, as mãos incansáveis. Escrever tem os pontos de um alfabeto inteiro. Prazeres distintos, potentes e que exigem de mim apenas eu. Ao embarcar em uma viagem de papel, os orgasmos são múltiplos e reais e sofridos. Não há limite físico capaz de frear uma mente desejando um papel. Não há falo capaz de saciar uma mente que sofre de bulimia emocional. Dê-me apenas um lápis, ou uma caneta, ou outra coisa que manche um papel. Pode ser sangue. Se precisar, tire o meu. Apenas deixe que o processo de expulsão das palavras seja registrado em algo palpável. Porque a minha mente é narcísica e precisa ver-se refletida no que a mão pode tocar. Tocar, tocar e tocar. Viveria uma vida a tocar palavras e deixá-las percorrer os caminhos que quiserem, sempre em busca da satisfação da minha mente. O tesão pelo papel é pulsão por vida. Os gozos com palavras são poesia. A mais bela das poesias, que transforma seu corpo em pó e faz da sensação de quase morte apenas um espasmo. Às vezes, o gozo vem com melodia. Às vezes, o silêncio de um suspiro profundo é o que basta. Quero alimentar-me desse gozo, beber as gotas do meu pensamento e deixá-las escorrer vida pelo papel. Vou construir um castelo de palavras e viver fechada em um mundo manuscrito. Letras sensíveis construídas por mãos desesperadas. Uma memória de papel e uma mente vazia para o novo. Assim deve ser. Deixar o corpo externar o que a mente guarda. Sentir prazer com o que sai. E seguir à procura, sempre à procura. Não peço nada a mais, mas também não me contentarei com nada a menos. A dose certa. O exagero mata, assim como a escassez. Quero a energia suficiente para deixar brotar borboletas no útero e parir o mais belo conjunto de palavras. E papel, muito papel. E mãos, apenas as duas. Uma para abraçar o papel. Outra para viver o papel.

22 de maio de 2010

Qual a sua marca favorita?

Eu sou marcada. Não só no corpo, mas na alma e em cada centímetro de qualquer possibilidade de vida que há aqui dentro. Essa semana, um livro me disse a seguinte frase: “Pessoas marcadas são perigosas, pois sabem que podem sobreviver”. Desenvolvi uma ligação imediata e intensa com essas palavras, não sei se por identificação ou por uma assustadora surpresa. Considero-me uma pessoa forte, ou melhor, que precisou ser forte em alguns momentos e não se decepcionou. Fez o que tinha a fazer, com o que tinha para fazer. Nada de muito surpreendente para alguém que pensa que só passamos pelo que somos capazes de aguentar. As marcas vão aumentando e espremendo-se para caber em um corpo só, mas a gente nem sente esse movimento; é natural, não dá prazer, mas também não dá dor. Com o tempo, começa a surgir uma sensação de separação do resto do mundo. Parece que as marcas falam um idioma que só eu entendo e, portanto, sou a porta-voz delas para o fora. Além de traduzi-las, há de se trabalhar seus movimentos peristálticos, que absorvem tudo, cada vibração, som e significado. Isso é bem desgastante, confesso. Talvez seja por isso que marcas ganham aparência de introspecção. Mas talvez seja só cansaço. Ao ler a palavra perigosa bem ao lado da marca, vi nascer uma descrição muito mais clara para o que eu, despretensiosamente, chamava de falta de paciência ou indiferença. O que percebo agora é que as pessoas marcadas são diferentes. Tão diferentes que chegam a assustar os mais desavisados. Deve ser mesmo um pouco perturbador deparar-se com alguém que não se comove com qualquer coisa e tem limites muito bem definidos para o que surge à frente. Pessoas marcadas sabem o que não querem e isso passa aos outros uma impressão de autoconfiança, beirando a indiferença pelo fora. Não sei se as marcas chegam a ser perigosas. Talvez sejam apenas para quem as tem e não consegue lidar com isso. As marcas carregam consigo uma vida paralela que, aos poucos, você aprende a deixar em um mundo próprio, com acesso exclusivo aos seus protagonistas. É como se fosse um buraco negro, uma caixa de pandora de onde nunca se tira o mesmo. As marcas só possuem o mesmo desenho, mas seu discurso muda a cada leitura. O significado de uma marca é mutável e é isso que possibilita aos seus portadores sobreviver. Ler algo que te mostra sempre algo renovado e te ensina a sobreviver às novas dores permanentes. As pessoas marcadas sobrevivem porque é o que sabem fazer. Não lhe ensinaram a desistir e não sabem fazer isso. O fundo do poço não é tão assustador quando você sabe que pode sair dele. O caminho que você desce é o mesmo para subir; é um labirinto de um só longo caminho. Aquela paciência que não sobra para os outros é utilizada com primor por quem carrega marcas. Mas não tenha medo dos marcados, só tenha cuidado com suas marcas. Elas podem sobreviver enquanto a pele lisa se desfragmenta com facilidade. Já ouviram falar que um osso dificilmente quebra de novo no mesmo lugar? As pessoas marcadas são como um osso multifraturado, com fissuras rígidas e que não repetem sofrimento. Mas, nem por isso, almejam outros. Cuidar das antigas marcas não significa estar aberta às novas. Apenas não as tememos. Serão mais um labirinto.

16 de maio de 2010

ManaNana

Eu tenho um desenho no braço
Um dos sete
O mais significativo dos sete
O único que amo
O olhar debruçado na janela
A inocência perdida
O tempo que não volta
Tudo em uma imagem de criança
Não posso carregar-te mais no colo
Mas damos as mãos
Ainda tenho um colo
E braços
E abraços
E o que precisares
Olhar à direita transforma meu dia
Leva-me àquela grama verde
Naquele jardim
Naquela casa
Daquilo que fomos um dia
Mas prefiro o hoje
As brincadeiras de molecas
São vividas por mulheres
A vida me deu a segunda chance
E eu agarrei-a
Aprendi o quanto és indispensável
Não te quero longe de mim
Por mais que o futuro guarde isso
Espero que ele seja nosso irmão
E fique conosco
Juntas sempre
Amigas sempre
Irmãs sempre
O desenho vai envelhecer
Assim como nós S
urgirão outras pessoas
Outros sonhos
Outras vidas
Em diferentes janelas
Diferentes gramas
Sem a velha casa
Mas nós seremos sempre nós

13 de maio de 2010

1, 2, 3 e... Já!

Não estou mais à procura da idade. Era uma busca exaustiva por alguma que fizesse mais sentido do que a minha. Não consigo lidar com os números da vida, contabilizar vírgulas, pontos, reticências e etceteras. Talvez não saiba a serventia exata de se ter idade. Ter menos, mais ou igual nunca fez muito sentido. Já almejei ter 30, aliás, sempre foi meu profundo anseio. Agora, que estou muito próxima de alcançar essa utopia, o encanto parece que se perdeu em algum lugar dos 20. A idade deveria ser medida pelas marcas da alma, pelos sonhos perseguidos – perdidos ou alcançados – e pelas mãos. Certa vez, li que as mãos entregam a verdadeira idade de alguém. Não importa o quão tecnologicamente a pessoa altera-se, sua alma é vista pela mão. A minha ainda conserva certa aparência nova, apesar de não fazer nada para isso aconteça. Somente aplico cores em suas extremidades, nada a mais. Minha mãe tem as mãos calejadas. É lutadora desde nova e sua história pode ser lida pelas linhas e curvas acentuadas. A minha torna-se uma folha em branco ao lado da dela, um papel com espaços livres para presentes e futuras histórias. Apesar das diversas rasuras já rabiscadas, minhas mãos aspiram por muito mais. Quero sorver cada líquido, desmaterializar solidificações e respirar todos os possíveis cheiros e ares. Libertar-se dos números traz um alívio imponente e imediato. Expulsa os padrões, receios e arrependimentos. Equaliza as sensações por patamares de importância, deixando neuroses e atrasos em seus devidos lugares. Se você parar para pensar, tudo na vida que remete ao estresse possui número(s) envolvido: senhas, celulares, conta de banco, documentos, endereços, trabalho, estudo... Já somos apenas números para o mundo e eu não vou autodefinir-me como tal. Quero ser mais do que um dois ao lado de um seis ou qualquer parceria que vá, inevitavelmente, surgir. Consigo ver-me vivendo sem os meus números, encarando somente o que as mãos querem mostrar. Minha fonte de vida vem DELAS e do que ELAS são capazes de fazer. Foi com ELAS que abracei as folhas do Pooh e são ELAS que acarinham teclas. Somente ELAS conseguem traduzir em algo menos incompreensível o amontoado de pensamentos que vivem na minha cabeça. Nada mais justo do que deixá-las definir de quantos anos sou merecedora. Meus aniversários, a partir de agora, vão ser em homenagem a mais um ano e não a tantos anos. Vou acompanhar o passar da vida das minhas mãos, quero vê-las envelhecer lentamente, no seu tempo certo. Quando perderem sua principal função, será a minha hora de ir embora. Seria muito sofrido viver sem poder dar asas aos dedos, articulações, músculos, ligamentos e pequenos ossos. Vou viver e partir com ela.

9 de maio de 2010

Águas de Sertão

Não, eu não vou chorar
Nem me venha com o mais profundo dos sofrimentos
Meu corpo não mais lava as dores
Tudo sai seco
Contrações faciais sem água salgada
A alma parece suja
Não há lágrimas para purificá-la
Morreram naquele momento
Em que chorei pela primeira vez sem elas
E preferi não o fazer mais
Adaptei-me sem água
Não me fazem mais tanta falta
Chorei mortes a seco
Chorei filmes a seco
Hoje, prefiro apenas sofrer
Um instante levou-as de mim
E não lembro qual
Foi por uma estrada
E não sei seguir esta
Não há luz suficiente
Fiquei com medo do escuro
Não deixei de sentir
Cada sensação é potencializada
Quando não se tem como expulsar
Acabam vivendo aqui dentro
Sem saídas de emergência
Mas elas saem
Um dia saem
Quando viram uma doce nostalgia
E suprem a vontade do sabor
Encontram um novo sorriso
E não precisam mais banhar-se em águas salgadas

7 de maio de 2010

A vida de viver e morrer

Fiz as pazes com a palavra. Não consegui abster-me por muito tempo da sua poesia e profundidade. Sim, toda palavra é profunda, é só saber usá-la e aplicar nela todo o seu potencial. Toda palavra tem o que dizer e é por isso que idolatro cada uma. Do sim ao não. Da vida à morte. Dizem que quem diz o quer ouve o que não quer. Eu aprecio tudo o que me é direcionado. Quem não gosta do que ouve é porque não entende o poder do que é proferido. Cada palavra pode mudar uma vida, transformar um pensamento e evoluir a menor das mentes. É necessário alinhar os sentidos, torná-los algo congruente para absorver o que muitos preferem fazer só com o ouvido. O corpo escuta com a mesma intensidade, mas é preciso deixá-lo participar desse processo. O nosso composto de redes sanguíneas principal passa pelo pescoço. Para morrer, basta cortar a jugular; para viver, basta saber dar voz a ela. É essa veia que leva o sangue do cérebro para o resto do corpo. Nossa garganta é a porta-voz do mundo e a vida de quem escolhe viver. É por isso que acredito na onipotência da palavra. Cada conjugação de sons nasce com a manutenção da vida e é levada ao resto do corpo; ao resto de fora, ao resto de dentro. A jugular externa e internaliza cada significado, cada verbo, cada poesia, cada pulsão pelo que merece ter significado. Nosso corpo foi estruturado para comunicar-se. Até quem não possui a potência vocal, desenvolve mãos ávidas a dar voz às palavras. O que falta é as pessoas aprenderem a viver na comunicação. Sem máscaras, sabotagens, recalques. Não criar impedimentos na jugular, deixar o fluxo seguir livremente. Falar o que deve ser dito e quebrar o estigma do medo da resposta. Afinal, a pior das respostas a gente sempre sabe qual é, só não quer vê-la verbalizada. Não entendo esse medo do som de fora, se o som de dentro sempre existiu. Vamos falar, escrever, gesticular. Calar tantas palavras deve doer muito mais.

5 de maio de 2010

Gosto tanto de você, Leãozinho

Continuação da fase “de mal com as palavras”. Esse texto veio a calhar para não deixar um espaço em branco. Minha mãe quer palavras destinadas ao meu cachorro. Isso mesmo. Meu super fofo Yorkshire, mesmo sem entender um nada do que será pronunciado, receberá um texto em sua homenagem. Não sei por onde começar... Posso dizer que ele é quase gente? Que gosto mais dele do que de muitos semi-humanos com vestimenta de homo sapiens? Não sei se bastaria. Pelo menos à minha mãe. O nome dele é Billi. Odeio esse nome. Queria nomeá-lo Napoleão. Desde mais pequeno do que já é, manifestava um poder napoleônico - baixinho e abusado. Não precisou dominar grande parte da Europa para provar isso. Seu reino resume-se à minha casa e seu povo era meu Poodle. Fez o pobrezinho ter medo de pisar o chão por meses e, mesmo rejeitando qualquer investida, despertou no Tobi uma paixão platônica digna de novela. Até os últimos dias de sua vida, Tobi sofreu por esse amor e não conseguiu nada além de mordidinhas aleatórias e algumas cafungadas. É importante frisar que não sou responsável pelos nomes dos bichanos! Ele é muito inteligente. Pelo menos, nós achamos. Reconhece os brinquedos pelo nome. Sabe onde estão. Vai pegá-los e traz na nossa mão. Não sai quando a porta está aberta e não faz xixi fora do lugar. Ele tem implicância com alimentos picados em tamanhos grandes. Separa tudo da tigela e não come, para mostrar que não gosta assim. Também não podemos misturar a ração com outras coisas (frango, carne, cenoura etc). Nos dias de sol, estende seu lindo corpinho na varanda e banha-se com as vitaminas benéficas ao seu belo pêlo. Sente-se incomodado com barulho e pessoas que falam alto, mas está sempre por perto quando há uma boa conversa, presta atenção como se entendesse cada palavra. Quando a vó dele (minha mãe) sai de casa, aguarda na porta o seu retorno. Sofre a cada campainha ou barulho de chave que não resulta nela. É educado e fala com todos que chegam. Pela manhã, beija quem desperta. Mas não suporta acordar cedo. Meu cão tem uma certa ética animal. Em casa, no seu território, é uma lady. Incapaz de levantar a voz ou mostrar dentes. Já na rua... Um outro lado da sua personalidade canina vem à tona. Sua aparência parece atrair tudo aquilo que mais odeia: Poodles histéricos-machos-afeminados e cachorros grandes! Não há preferência por raças, cor e pêlos. Quanto maior, melhor. Quanto mais afetado pelo homem, melhor. Por outro lado, é incapaz de atacar uma fêmea, um cão idoso e filhotes, mesmo dentro dos padrões relacionados anteriormente. É no mínimo curioso analisar seu comportamento. Como pode um animal desenvolver seu próprio senso de ética e distinguir as características que serão passíveis do seu instinto? Se dizem que a violência é um instinto animal - o que é duvidoso -, meu cachorro merece o devido reconhecimento por aprender instintos humanos valorados pela sociedade! Até porque tem muito ser andante que não aprende de jeito nenhum! Isso tudo vale como inteligência? Não sei muito bem, mas eu gostaria de ter um homem assim! OBS: Eu iria colocar uma foto do Caetano, mas prefiro a irmã dele! E parece que, nesta foto, ela está lendo o fantástico Fernando Pessoa. Foi mal Caetano, mas foi inevitável a substituição!