31 de março de 2012

Ponto comum de paralelas

O poeta diz escrever o que pensa, mas escreve para sentir de outra forma o que sentia até então. Desvenda o mundo imaginário dos infinitivos para transformá-los em palavras. Escreve um sim e o combina com um não, faz os opostos aproximarem-se e produzirem rima. Dê à mão do poeta uma caneta e por baixo dela um papel. Verá surgir dali a mais bela das dores, recém-descoberta ou além vida de vida. O poeta transpira vivências atemporais. Nada se perde na mente de alguém que pensa em versos. Não há memória falha para quem acumula inspirações e não há poucas palavras para descrevê-las. O poeta não morre por dor, ele apenas sofre por ela. O corte passa a linhas e a lágrima escorre entre vírgulas, até secar no último verso. Tudo o que brota no processo de cessar o anseio pela visibilidade da palavra gera um novo significado à já pré-concebida definição. O poeta tem o poder de escrever sobre a mesma vivência de variadas formas, com ou sem rima. Sua mente emociona-se ou repudia o sentido, faz dele apenas mais uma forma de buscar tesão para motivar sua escrita. O poeta não se cansa. Ele é capaz de reviver, de manter, de conservar. Seja o que for. Para o sempre necessário. Se deseja ferir um poeta, corte suas mãos. Se quiser mata-lo, leve seu devaneio de versos soltos, sobrevivente da arte de ser variante de si.

21 de março de 2012

Las escaleras de mi Argentina

A tristeza dos olhos à frente faz chorar o olhar meu. Miro longe, acerto o que não vejo e tateio a superfície que me suporta. A porta quase fechada deixa uma brecha na qual tento encontrar os significados perdidos por você. Procuro-os na penumbra mantida pela luz tímida que emana do que não temos coragem de encarar. Seguramo-nos um no outro para fugir das lembranças do escuro, aquele que prende os pés nos sonhos ruins e impede o acordar. Você me diz que vai ficar tudo bem, enquanto seus olhos contorçam-se para caber dentro do corpo e impedir que as lágrimas caiam ao chão. E secam pela necessidade de expelir a dor. As rachaduras criam uma beleza estranha aos olhos de fora. O sofrimento tem uma beleza artificial de felicidade, necessária para continuar não vendo o que já é insuportável ao restante do corpo. E da mente. E da alma. Eu ofereço minha mão e você a coloca longe da pele. Sentir o toque pode fazer as cicatrizes da pele voltarem a sangrar nos dois. Assim é confortável, amenização sadomasoquista da memória. Firmo a outra mão sobre sua nuca e fixo meu olhar no seco, no belo. Tento tirar dali a razão encontrada ali quando olhei aquele lugar pela primeira vez. Ela continua ali. Eu sei que está. Coberta de um passado que não volta e um presente que não se vê. Mas está. E eu a quero de volta. Sentada ao meu lado nos degraus da nossa escada. Segurando vontades. Segurando o que cabe. Sus ojos miran para el espacio donde vive el pedazo de mi alma que no puedo ver. Conozca lo que no puedo tocar y dígame con su piel.

10 de março de 2012

Expulsão repentina

Eu não quero ser aquela que diz adeus, que rompe portas e sai à procura de alegria. Meus dias de glória enfraqueceram-se, e o desejo de abandonar tudo para trás deixa um borrão naquilo que foi bom. Dias viram meses que viram anos que viram o tempo que não aguento mais. Eu escrevia porque gostava e hoje o faço porque preciso. Olho nos seus olhos e não vejo nada maior do que eu.  Sua luz não atravessa a minha e não me deixa pensando no que eu poderia ter sido. Enche-me de orgulho perceber que, no ápice do seu ego ereto, você não consegue ver o que eu vejo além. Admirar-se demais é tão emburrecedor quanto achar-se incapaz, mas com o agravante de levar a crença de pessoas cegas pelo falso encanto do entrelaçar dos seus dedos pelo cabelo. E você me atinge. Com suas farpas de capacidade, deixa uma latejando no meu dedo. Mas não pense ser isso suficiente para derrubar. Não a mim, pois eu rio enquanto observo outros dois dedos expelindo-a. Meu sangue é forte, meu corpo é resistente, minha alma é calejada. Enquanto você ergue-se, eu preparo o meu sorriso para compartilhar com quem quiser ver a sua queda. Eu estarei aqui, longe de você e perto de mim. Sua pedra eu chuto ao longe. Guardarei apenas aquilo que não quero ser dormindo ao lado do que sei que posso ser. E essa paralelas não se cruzam.