Eu sou marcada. Não só no corpo, mas na alma e em cada centímetro de qualquer possibilidade de vida que há aqui dentro. Essa semana, um livro me disse a seguinte frase: “Pessoas marcadas são perigosas, pois sabem que podem sobreviver”. Desenvolvi uma ligação imediata e intensa com essas palavras, não sei se por identificação ou por uma assustadora surpresa.
Considero-me uma pessoa forte, ou melhor, que precisou ser forte em alguns momentos e não se decepcionou. Fez o que tinha a fazer, com o que tinha para fazer. Nada de muito surpreendente para alguém que pensa que só passamos pelo que somos capazes de aguentar. As marcas vão aumentando e espremendo-se para caber em um corpo só, mas a gente nem sente esse movimento; é natural, não dá prazer, mas também não dá dor. Com o tempo, começa a surgir uma sensação de separação do resto do mundo. Parece que as marcas falam um idioma que só eu entendo e, portanto, sou a porta-voz delas para o fora. Além de traduzi-las, há de se trabalhar seus movimentos peristálticos, que absorvem tudo, cada vibração, som e significado. Isso é bem desgastante, confesso. Talvez seja por isso que marcas ganham aparência de introspecção. Mas talvez seja só cansaço.
Ao ler a palavra perigosa bem ao lado da marca, vi nascer uma descrição muito mais clara para o que eu, despretensiosamente, chamava de falta de paciência ou indiferença. O que percebo agora é que as pessoas marcadas são diferentes. Tão diferentes que chegam a assustar os mais desavisados. Deve ser mesmo um pouco perturbador deparar-se com alguém que não se comove com qualquer coisa e tem limites muito bem definidos para o que surge à frente. Pessoas marcadas sabem o que não querem e isso passa aos outros uma impressão de autoconfiança, beirando a indiferença pelo fora.
Não sei se as marcas chegam a ser perigosas. Talvez sejam apenas para quem as tem e não consegue lidar com isso. As marcas carregam consigo uma vida paralela que, aos poucos, você aprende a deixar em um mundo próprio, com acesso exclusivo aos seus protagonistas. É como se fosse um buraco negro, uma caixa de pandora de onde nunca se tira o mesmo. As marcas só possuem o mesmo desenho, mas seu discurso muda a cada leitura. O significado de uma marca é mutável e é isso que possibilita aos seus portadores sobreviver. Ler algo que te mostra sempre algo renovado e te ensina a sobreviver às novas dores permanentes.
As pessoas marcadas sobrevivem porque é o que sabem fazer. Não lhe ensinaram a desistir e não sabem fazer isso. O fundo do poço não é tão assustador quando você sabe que pode sair dele. O caminho que você desce é o mesmo para subir; é um labirinto de um só longo caminho. Aquela paciência que não sobra para os outros é utilizada com primor por quem carrega marcas.
Mas não tenha medo dos marcados, só tenha cuidado com suas marcas. Elas podem sobreviver enquanto a pele lisa se desfragmenta com facilidade. Já ouviram falar que um osso dificilmente quebra de novo no mesmo lugar? As pessoas marcadas são como um osso multifraturado, com fissuras rígidas e que não repetem sofrimento. Mas, nem por isso, almejam outros. Cuidar das antigas marcas não significa estar aberta às novas. Apenas não as tememos. Serão mais um labirinto.
22 de maio de 2010
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Remarkable, no doubt...
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