22 de maio de 2010

Qual a sua marca favorita?

Eu sou marcada. Não só no corpo, mas na alma e em cada centímetro de qualquer possibilidade de vida que há aqui dentro. Essa semana, um livro me disse a seguinte frase: “Pessoas marcadas são perigosas, pois sabem que podem sobreviver”. Desenvolvi uma ligação imediata e intensa com essas palavras, não sei se por identificação ou por uma assustadora surpresa. Considero-me uma pessoa forte, ou melhor, que precisou ser forte em alguns momentos e não se decepcionou. Fez o que tinha a fazer, com o que tinha para fazer. Nada de muito surpreendente para alguém que pensa que só passamos pelo que somos capazes de aguentar. As marcas vão aumentando e espremendo-se para caber em um corpo só, mas a gente nem sente esse movimento; é natural, não dá prazer, mas também não dá dor. Com o tempo, começa a surgir uma sensação de separação do resto do mundo. Parece que as marcas falam um idioma que só eu entendo e, portanto, sou a porta-voz delas para o fora. Além de traduzi-las, há de se trabalhar seus movimentos peristálticos, que absorvem tudo, cada vibração, som e significado. Isso é bem desgastante, confesso. Talvez seja por isso que marcas ganham aparência de introspecção. Mas talvez seja só cansaço. Ao ler a palavra perigosa bem ao lado da marca, vi nascer uma descrição muito mais clara para o que eu, despretensiosamente, chamava de falta de paciência ou indiferença. O que percebo agora é que as pessoas marcadas são diferentes. Tão diferentes que chegam a assustar os mais desavisados. Deve ser mesmo um pouco perturbador deparar-se com alguém que não se comove com qualquer coisa e tem limites muito bem definidos para o que surge à frente. Pessoas marcadas sabem o que não querem e isso passa aos outros uma impressão de autoconfiança, beirando a indiferença pelo fora. Não sei se as marcas chegam a ser perigosas. Talvez sejam apenas para quem as tem e não consegue lidar com isso. As marcas carregam consigo uma vida paralela que, aos poucos, você aprende a deixar em um mundo próprio, com acesso exclusivo aos seus protagonistas. É como se fosse um buraco negro, uma caixa de pandora de onde nunca se tira o mesmo. As marcas só possuem o mesmo desenho, mas seu discurso muda a cada leitura. O significado de uma marca é mutável e é isso que possibilita aos seus portadores sobreviver. Ler algo que te mostra sempre algo renovado e te ensina a sobreviver às novas dores permanentes. As pessoas marcadas sobrevivem porque é o que sabem fazer. Não lhe ensinaram a desistir e não sabem fazer isso. O fundo do poço não é tão assustador quando você sabe que pode sair dele. O caminho que você desce é o mesmo para subir; é um labirinto de um só longo caminho. Aquela paciência que não sobra para os outros é utilizada com primor por quem carrega marcas. Mas não tenha medo dos marcados, só tenha cuidado com suas marcas. Elas podem sobreviver enquanto a pele lisa se desfragmenta com facilidade. Já ouviram falar que um osso dificilmente quebra de novo no mesmo lugar? As pessoas marcadas são como um osso multifraturado, com fissuras rígidas e que não repetem sofrimento. Mas, nem por isso, almejam outros. Cuidar das antigas marcas não significa estar aberta às novas. Apenas não as tememos. Serão mais um labirinto.

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