10 de abril de 2010

Ode ao papel

Não consigo compreender muito bem a paixão - ou seria devoção? - pelo computador. Ao retirar todos os benefícios e praticidades trazidos por ele à rotina laboral, acadêmica e comunicacional, só enxergo o assassinato do papel. Aos poucos, por pura praticidade, economia de tempo e pressão, estou rendendo-me a esse artifício e abandonando um pouco meu caderno. Parece que, atualmente, só existe quem está na rede. Precisei mudar-me para lá. Meu companheiro de insônias e tormentos permanece cada vez mais na estante, como um monumento em homenagem à nostalgia. Confesso, a transição da caneta para o teclado não é fácil. Sinto-me abrindo mão da ligação corpórea com as minhas palavras. Eu costumava abraçar cada folha que me recebia e hoje apenas encaro o resultado dos meus dedos em uma máquina, sem qualquer tipo de conexão. Quando se trata de computador, conexão é com a internet. Escrevo e transbordo meus pensamento a um robô. Cada letra mal-escrita, rasura e até possíveis erros faziam parte de quem eu era e como me sentia naquele momento. É delicioso deparar-se com algo escrito à flor da adolescência e rir do que povoava uma mente de 15 anos. O papel já meio amarelado, todo dobrado, com aqueles desenhos decorativos do ursinho Pooh, hoje dá lugar a raras folhas de papel reciclado e diversos arquivos “.doc“. O computador não deixa abertura a nenhum erro. Tudo é sinalizado por uma listrinha vermelha ou verde. Nem quando mais se precisa, nossos erros são relevados. Características de um passado são descartadas e surgem formatações, tipos, espaçamentos, tamanhos, cores, sublinhados etc. A palavra transforma-se em imagem facilmente modificável. As muitas linhas escritas passam a ser uma lauda. A dor manual, do movimento quase estático da caneta, hoje, recebe nome de tendinite. Além da angústia de expulsar o sentimento que nos atormenta, temos que fazer fisioterapia para curar a doença do corpo. Podem me chamar de nostálgica, contra a modernidade, antiquada ou qualquer outra nomenclatura, mas não desistirei do papel. Não vou virar as costas para o meu suporte facilmente destrutível por qualquer máquina que me garanta uma memória interminável. A catarse é mais completa com o papel e tudo de mais belo que já li teve início com uma mão aflita. Ode ao papel! Por ironia, esse texto foi digitado por duas mãos que só pensavam nas folhas do Pooh.

3 comentários:

  1. quem casa com a crítica, vive com a nostalgia e morre de melancolia no cemitério da aflição.
    =p

    ResponderExcluir
  2. Muito bom!
    As eternas folhas do Pooh!

    ResponderExcluir
  3. (...)ótima..esferografias do pensamento ! as vezes tecladas em tipografias de máquina, às vezes compostas do branco "virtual" alongamento. Assim a poetisa perdura e se revela, em quaisquer suportes. Liberdade às letras e as faunas verbais, sem alças do voo curto. Vida longa à sua escrita..!

    ResponderExcluir