17 de abril de 2010

Bocejo

O cansaço estende-se. Não sinto mais as pernas, somente uma dor que percorre cada polegada do que ainda está vivo. A vontade de fechar os olhos e deixá-los repousar é quase imperadora, mas as milhares de imagens na minha cabeça os mantém atentos, vidrados nos movimentos, ações, palavras. Não consigo mais distinguir nada. Mãos me percorrem. Não são mais as mesmas, mas as antigas já não me satisfaziam. Quero fugir de todas as perguntas, encaminhá-las para vagar entre os becos dos quais não sei a saída. Pelo menos enquanto minhas pernas doem. Talvez uma analgésico punk-rock-pauleira ajude. Declarar palavrões a objetos não surtem mais efeito e não há energia para buscar respostas. Eu havia prometido às marcas do tempo que seria mais suave com elas. Mas começo a desconfiar dessas marcas. Parecem apenas rabiscos na pele, cicatrizes de infância que diminuíram, perderam cor e textura. Viraram um rascunho sem relevância e serventia para elaborar algo concreto. Vou dizer outro palavrão para ver se melhora. Tá foda. Surge uma trilha sonora para trazer aos ouvidos a sensação da perna. Arnaldo Antunes me perturba. Socorro, não estou sentindo nada Nem medo, nem calor, nem fogo Não vai dar mais pra chorar Nem pra rir Socorro, alguma alma, mesmo que penada Me empreste suas penas Já não sinto amor, nem dor Já não sinto nada Socorro, alguém me dê um coração Que esse já não bate nem apanha Por favor, uma emoção pequena Qualquer coisa Qualquer coisa que se sinta Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva Socorro, alguma rua que me dê sentido Em qualquer cruzamento Acostamento Encruzilhada Socorro, eu já não sinto nada Socorro, não estou sentindo nada Nem medo, nem calor, nem fogo Nem vontade de chorar Nem de rir Alguém aperta o stop, por favor. Preciso dormir! Ainda tenho botas para limpar.

3 comentários:

  1. É contagioso(rs)... Já desisti dos palavrõs e analgésicos. As imagens, ações, palavras, são escada pra pular por sobre os becos sem saída. Outro caminho se faz com novas marcas, somando-se e modificando as do passado, até que sejam elas também, de um futuro envelhecido: presente. A dor é sinal de que estou vivo, trato-a com ternura; quanto as suas pernas, segue outra do Arnaldo pra te consolar (ABC):

    A
    B
    C
    A A A
    B
    C
    ACABA

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  2. gostei mt desse, um pouco diferente dos que vc costuma escrever, mas tao bom quanto!
    e a foto, ótima! Rs

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  3. seu texto ilustra uma superdosagem de orfenadrina... garanto

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